Algumas breves considerações a respeito do artigo de Alberto Dolara

abril 11, 2017
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No dia 12 de abril de 2017 comemoramos um ano da publicação do site Slow Medicine Brasil – a Medicina sem Pressa. Para marcarmos esta data, publicamos esta matéria escrita pelo Dr. Dario Birolini, nosso mentor e conselheiro nesta iniciativa, onde ele comenta o artigo que lançou os fundamentos teóricos da Slow Medicine.

Por Dario Birolini:

Há cerca de 15 anos, Alberto Dolara, cardiologista italiano, escreveu este breve texto que serviria de inspiração e de estímulo para a criação da “Slow Medicine” na Itália. Na introdução do texto, Dolara menciona algumas palavras de Dante Alighieri, escritor e poeta florentino que viveu na transição do décimo terceiro para o décimo quarto século, palavras que alertam para o conflito entre a honestidade e a pressa. Percebe-se, assim, que este conceito está implícito a uma cultura existente há séculos, mas que foi distorcida com o passar do tempo e destruída nas últimas décadas. Hoje vivemos uma época caracterizada pela divulgação espantosa de desinformações que comprometem a interpretação dos fatos por parte do público leigo e deturpam o exercício da assistência médica por parte dos profissionais de saúde. Vivemos, como eu afirmo há muito tempo, em um mundo que perdeu seu respeito pelos seres humanos e acredita apenas na dupla fatídica “innovation and technology”. Conforme afirmou Albert Einstein há alguns anos, “duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta”. Ele ainda afirmou “tenho medo do dia em que a tecnologia superará o relacionamento humano. O mundo terá uma geração de idiotas”. Mais recentemente Umberto Eco perguntou o seguinte: “num mundo com sete bilhões de pessoas, você não concorda que há muitos imbecis? Na internet, o imbecil pode opinar sobre tudo o que não entende”. É essencial lembrar que cada um de nós tem características físicas e funcionais absolutamente próprias, geradas a partir de seu perfil genético e modificadas, para melhor ou para pior, por seus hábitos de vida. Neste sentido, Dolara incentiva a adoção de hábitos de vida saudáveis e alerta para a necessidade de que a mídia passe a adotar uma política de cautela, não repassando à população a ilusão de que determinadas medidas diagnósticas ou terapêuticas possam não somente eliminar todas as doenças, mas adiar o fim da vida. No âmbito da prevenção, por exemplo, alerta para o fato de que um “screening” precoce pode induzir ansiedade para o paciente e motivá-lo à realização de procedimentos terapêuticos inapropriados. A adoção de “screening” genéticos pode tornar este desafio mais evidente e, em alguns casos, despertar dúvidas e questionamentos éticos de difícil resolução. Um exemplo é o “screening” genético do carcinoma mamário. Em conseqüência destes fatos, o que, no passado, era o fulcro de nossa profissão, a relação clara, honesta, respeitosa entre o médico e o paciente, foi progressivamente substituída por “check ups”, protocolos, consensos, “guidelines” que deixam de considerar a individualidade do ser humano e que, não raramente, são induzidos por interesses econômicos ou pessoais tanto da indústria como de profissionais da saúde. Como conseqüência deste tsunami, o paciente é levado a acreditar muito mais em exames complementares do que no parecer do médico e a aceitar, como regra inquestionável, que o uso de medicamentos, tanto para o tratamento como para a prevenção de doenças, é indispensável por ser muito mais eficaz do que a adoção de hábitos saudáveis de vida.  Dolara termina seu texto ressaltando o impacto da adoção da “slow medicine” nos cuidados na fase terminal da vida, momento no qual o fundamental é manter um vínculo emocional com o paciente e com a família, muito mais que adotar medidas tecnológicas intempestivas. Traduzindo, aqui, o resumo do Convite a uma “Slow Medicine, Dolara afirma que a “hiperatividade é freqüentemente desnecessária na prática clínica. A aplicação de uma “Slow Medicine” pode favorecer resultados melhores em muitas circunstâncias. Ela permite que os profissionais de saúde, particularmente os médicos ou os enfermeiros, tenham tempo suficiente para avaliar os problemas pessoais, familiares e sociais dos doentes reduzindo sua ansiedade enquanto estão aguardando procedimentos diagnósticos ou terapêuticos não urgentes, para analisar com atenção procedimentos e tecnologias de vanguarda, para evitar altas hospitalares prematuras e, enfim, para oferecer um apoio emotivo adequado aos pacientes em fase terminal e a suas famílias”.

Dolara prossegue com alguns exemplos:

Enfatiza a importância do papel do médico, seja ele generalista, especialista ou hospitalista, no sentido de estabelecer uma relação clara e respeitosa com o doente e sua família, no sentido de oferecer-lhes a escolha mais adequada para o atendimento.

Sugere que a aplicação de avanços terapêuticos deve ser vista com ponderação. Como exemplo, Dolara menciona a correção sistemática de defeitos inter-atriais realizável, nos dias atuais por via percutânea. Ainda que tais procedimentos possam ter indicação, seu uso em crianças implica na existência de um corpo estranho com o qual o paciente deverá conviver para o resto de sua vida, com consequências nem sempre previsíveis.

Chama a atenção, também, para os riscos inerentes às altas hospitalares precoces com o intuito de reduzir os custos assistenciais. Alerta para o fato de que, considerando a mudança do perfil demográfico da população e o processo de envelhecimento populacional, tal atitude pode comprometer  a continuidade da assistência e não raramente levar a repetidas internações hospitalares, particularmente naqueles pacientes com idade avançada e portadores de doenças crônicas.

Termino estas palavras, pedindo perdão por repetir aqui considerações que tenho feito em várias outras oportunidades. Justifico, entretanto, esta iniciativa por minha absoluta convicção de que, ao aceitar os conceitos da “Slow Medicine” a sociedade terá vantagens inquestionáveis tanto no que diz respeito à saúde e à qualidade de vida da população como para reduzir o desperdício econômico hoje vigente, em iniciativas totalmente injustificáveis.

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No link abaixo disponibilizamos o acesso ao artigo original em italiano, gentilmente cedido pelo Dr. Marco Bobbio. Sua importância histórica para a Medicina sem Pressa é imensa, pois ele alicerçou a construção dos princípios sobre as quais se consolidou o Movimento Slow Medicine no mundo.

Invito ad una Slow Medicine, Alberto Dolara, Ital Heart J Suppl , 2002

A fotografia que ilustra o post são a Dona Olívia e seu Santo Antonio Marchezan, em Três Barras, Santa Maria, RS, por Andrés Otero/LUZphoto (#FridaySeries_Oriundi)

 

2 Comentários

  1. Muito bom poder ver que um movimento tão sensível faz aniversário e persiste “devagar e sempre”. Em 15 anos, as ideias do Slow Medicine (ou, preferencialmente para mim, a Medicina sem pressa) se fazem valer e ganham peso a cada reflexão. Parabéns aos iniciadores e mantenedores desse movimento. Vida longa!

    • Obrigado, Sylvia! Acho que o caminho é este mesmo. Um passo de cada vez. E, essencialmente, persistência.

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