Choosing Wisely Brasil e Slow Medicine: uma conversa com Guilherme Barcellos

setembro 27, 2016
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Choosing Wisely é uma  campanha multinacional para promoção de debates e reflexões sobre eventuais excessos no emprego de testes diagnósticos, procedimentos e tratamentos. Estes questionamentos surgem a partir de listas de recomendações, criadas principalmente pelas sociedades de especialidades médicas. A iniciativa, criada  pelo American Board of Internal Medicine – ABIM, dirige-se a profissionais de saúde e pacientes, pois esta instituição acredita que tais questões concernem  à sociedade como um todo. A Slow Medicine e a Choosing Wisely tem objetivos claramente convergentes neste aspecto, pois ambas valorizam o relacionamento médico-paciente e o esclarecimento da pessoa de forma que permita uma tomada de decisões compartilhada e adequada à situação clínica daquela pessoa em particular. O dr. Guilherme Barcellos encontra-se envolvido com a campanha desde seu início aqui no Brasil e nesta entrevista nos esclarece uma série de questões sobre sua implantação em nosso país, onde vem rapidamente tomando corpo.

SlowMedicine: Como surgiu a Campanha Choosing Wisely Brasil?

Guilherme Brauner Barcellos: Inicialmente fomos estimulados por estrangeiros envolvidos com o movimento, como John Bulger, co-responsável pela lista de recomendações da Society of Hospital Medicine, EUA, convidado por mim para palestrar no Brasil. Posteriormente, por Wendy Levinson, uma das principais responsáveis pela campanha pioneira nos EUA. Mais tarde, a Dra. Wendy  mudou-se para o Canadá, onde participou da criação da Choosing Wisely Canada e, na sequência, da Choosing Wisely International. Hoje a campanha é bastante forte nos EUA, Canadá, Austrália e Itália. A Choosing Wisely International já está no seu terceiro encontro anual e reúne cerca de 20 países.

SM: Como surgiu o seu interesse pessoal em participar?

GBB: Por muitos anos tentei promover no Brasil um debate sobre conflitos de interesse na Medicina e os impactos desta relação com a indústria no uso irracional de medicamentos e tecnologias. Cheguei a liderar uma grande campanha, intitulada Campanha Alerta . Foi um período em que pessoalmente destaquei-me bastante, proferi palestras pelo Brasil afora. Nossos sites, blog e grupo de discussão no Facebook eram bastante movimentados. Mas quer uma confissão que poucas vezes fiz? O alcance real foi pequeno. Nossos objetivos eram confundidos com pautas ideológicas diversas, que afastavam quem deveria ser provocado, quem tínhamos pretensão de converter ou, pelo menos, balançar, fazer refletir. Já os apoiadores e simpatizantes eram quase todos representantes de grupos previamente convencidos,que apenas viram em nosso movimento uma forma de ganhar espaço e voz,já que passamos a ter bastante visibilidade.A instrumentalização do debate por ativismos de todo tipo (anti-capitalismo, anti-Medicina, anti-medicamentos, anti-psiquiatria, e suas contrapartes), produziu um cenário falsamente moralizado, artificialmente polarizado e, conseqüentemente confuso, que inviabilizou a construção de um espaço de “ética possível”, nossa intenção inicial. Foi quando afastei-me desta discussão e encontrei na Choosing Wisely uma forma de, sob uma perspectiva diferente, atingir objetivo similar: promoção de uso racional de medicamentos e tecnologias. Na medida em que as recomendações partem das próprias sociedades médicas, e conflitos de interesse não são o foco, a cortina de fumaça é menor, e a aceitação melhor. 

Curiosamente, há poucas semanas tentei reativar o grupo no Facebook, onde a discussão anterior era promovida. Imediatamente, o espaço foi tomado por outras, travestidas da nossa. Sami El Jundi, colega que foi co-responsável pela Campanha Alerta, resumiu bem nossa frustração: “continuam embolando nosso meio de campo, tratando a corrupção como um problema político e fechando os olhos à realidade. Essa é a melhor maneira de manter tudo como está, enquanto se afirma querer mudar o mundo para melhor. Eu também cansei”. Aparentemente, algumas discussões são como o vinho: com o tempo, azedam. Espero que a ChoosingWisely Brasil seja capaz de ir mais longe que a Campanha Alerta.

SM: O que resta destas questões que na Campanha  Alerta lhe incomodavam? 

GBB: Ainda percebo alguns grupos “atrapalhando”; brinco rotulando-os e identificando-os como seitas naturebas. Mas é mais fácil agora diferenciar-se deles. Em recente evento onde apresentamos a Choosing Wisely Brasil houve quem, na discussão, tenha elogiado a iniciativa, mas insinuado que representávamos um grupo contrário a intervenções medicamentosas ou procedimentos invasivos em geral. Este tipo de colocação foi muito boa para que eu pudesse explicar, diria até que fácil para quem é hospitalista e intensivista. Simplesmente ilustrei como muitas vezes preciso ser extremamente agressivo e/ou invasivo na abordagem de meus pacientes. ChoosingWisely não é abrir mão destas atitudes, mas aplicar estas ações no paciente certo, na dose certa e no momento certo.

SM: Qual a situação atual da Choosing Wisely Brasil e quais são suas principais perspectivas?

GBB: Nosso primeira lista foi elaborada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. Estamos concluindo os trabalhos com a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, e iniciando algumas novas parcerias. Em outubro, faremos o Iº Encontro Científico Choosing Wisely Brasil, em Curitiba, no Paraná. A mídia já está atenta ao nosso movimento. Aguardamos o momento certo de levar esta discussão com maior intensidade até pacientes e familiares, em suma, disseminá-la entre os cidadãos, na sociedade. Outra expectativa é de projetos locais em hospitais e avaliações de impacto das proposições elaboradas.

SM: A campanha Choosing Wisely é conduzida pela Associação Slow Medicine na Itália. Você esteve presente em um encontro recentemente lá. Existem peculiaridades na campanha italiana que você acredita que possam ser decorrentes desta parceria?

GBB: São várias as possíveis formas de colaboração entre Slow Medicine e ChoosingWisely. Na Itália ambos os projetos estão sendo desenvolvidos pelo mesmo grupo. São vários os pontos de convergência. Aqui no Brasil cabe demonstrarmos como grupos distintos conseguem trabalhar em equipe, por objetivos em comum. Disposição para o diálogo e o contraditório é premissa para ambos os movimentos. Então mais que somente um desafio, é uma obrigação construirmos esta colaboração.

SM:Como hospitalista e intensivista, como você vê que os princípios de “Medicina sem Pressa” possam ser inseridos na sua prática?

GBB:Mesmo na Medicina Intensiva há espaço para Slow Medicine. Certa vez escutei de Marco Bobbio uma afirmação semelhante acerca da cardiologia intensiva. Estes são cenários onde frequentemente é preciso agir rapidamente. Mas não devemos confundir agir rápido com pensar estabanadamente. Temos que  manter a calma e o controle; as ações podem transcorrer no modo fast, e muitas vezes devem, mas a cabeça deve continuar sempre no modo slow, buscando nunca perder a consciência situacional, a visão do todo, o questionamento da validade de cada ato.

gbbA Medicina Intensiva tem favorecido modelos de cobertura sem nenhuma continuidade do cuidado; é a cultura do plantonismo extremo. Em não se conhecendo bem o paciente, há um prato cheio para se fazer além do necessário ou daquilo que é esperado pelo doente. É algo que precisa mudar na especialidade. Devemos favorecer rotinas nas UTIs, levar a perspectiva dos cuidados paliativos para dentro delas, e promover o fortalecimento do elo entre os médicos intensivistas e aqueles que conhecem mais e melhor os pacientes, sua qualidade de vida prévia e suas expectativas.

SM:Qual o  papel da ProQualis na campanha Choosing Wisely Brasil?

GBB:O Proqualis entra como parceiro para promoção das iniciativas a serem construídas por profissionais e suas sociedades. Não elaborará recomendações, mas será de extrema importância na promoção do grande debate nacional pretendido.

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Guilherme Brauner Barcellos, co-coordenador da Campanha Choosing Wisely Brasil, é médico hospitalista e intensivista, membro honorário da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar e Senior Fellow da Society of Hospital Medicine.Além de médico, é gremista fanático e amante de esportes, viagens e livros. Vem atento ao movimento Slow não apenas para aplicação de seus princípios no cuidado de seus pacientes, mas na sua própria vida. Ex-workaholic, tem cada vez mais consciência da importância do médico cuidar de si como cuida seus pacientes, o que significa trabalhar menos, viver mais, negar o rótulo de super-herói e aceitar sua condição humana e de falibilidade, reconhecendo e lidando melhor com as incertezas, sabendo dizer não sei e não se envergonhar.

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