A Medicina Sem Pressa e o diálogo entre profissionais de saúde

dezembro 29, 2017
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Por Aracy P.S. Balbany:

A dra. Aracy gentilmente nos enviou este texto, acompanhando um singelo cumprimento pelas atividades do Movimento Slow Medicine Brasil e desejando Boas Festas e um Feliz Ano Novo. Agradavelmente surpreendidos pelo texto, optamos por publicá-lo nos dias derradeiros de 2017, pois de certa forma ele representa que a mensagem por uma Medicina Sóbria, Respeitosa e Justa vem chegando paulatinamente às pessoas. É uma maneira de agradecer a cada um de vocês que tem acompanhado nossa caminhada, e um convite para que se juntem à nós. O lugar comum aqui é pertinente: juntos somos mais fortes.

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Uma das ferramentas didáticas mais preciosas das escolas médicas é a reunião de discussão de casos clínicos. Um caso desafiador para o diagnóstico ou a terapêutica, ou que suscite questionamento sobre os limites éticos da atuação do médico e dos demais membros da equipe de saúde é um convite ao encontro dos que cuidam do doente.

Para o matemático Blaise Pascal (1623-1662) “ninguém é tão ignorante que não tenha algo a ensinar, nem tão sábio que não tenha algo a aprender”. Como várias cabeças pensam melhor do que uma, sempre que possível deve haver uma reunião clínica para que todos sejam beneficiados – principalmente o doente.

Inúmeras vezes a sugestão de um colega de outra especialidade, uma informação obtida pela enfermeira junto à família do doente, ou uma observação da assistente social enriquecem a reflexão sobre o caso. Diante de novas ideias, a equipe que assiste o doente aprimora ou até muda totalmente a conduta.

O debate científico numa junta médica é capaz de abrir os corações e as mentes. Mas não basta reunir indivíduos com experiência e conhecimento técnico em determinado local e horário. É preciso que cada pessoa deixe para trás seus preconceitos e o ímpeto de impor autoridade. É importante que leve consigo boa vontade, honestidade intelectual e disposição para o diálogo generoso.

A realização de junta médica é direito do doente e prerrogativa dos profissionais. Ela não impede que haja conflito de opiniões, mas abre a possibilidade de um consenso fundamentado no saber científico e na compaixão, cujos objetivos são o benefício e a segurança do paciente.

Porém, na sociedade brasileira a cultura do diálogo ainda é precária. No mercado de trabalho médico reinam o individualismo competitivo e a superespecialização. Cada especialista cumpre a parte dele e pouco dialoga com os colegas de outras áreas. Quando um médico manifesta desejo de aprofundar o estudo do caso para esclarecer alguma dúvida isso costuma ser mal interpretado como sinal de fraqueza ou incompetência. Na maior parte dos serviços públicos e privados que não estão vinculados ao ensino médico faltam atuação em equipe e comunicação efetiva entre profissionais.

Essas características da prática médica atual fazem com que muitos doentes repitam a realização de exames desnecessariamente, gastem mais dinheiro com sucessivas trocas de medicamentos –cada médico tem lá sua preferência de prescrição – e se exponham ao risco de interações medicamentosas, pois um médico pode desconhecer o que o doente já usa por receita de outro colega. Vários clientes se queixam de que o tratamento vira uma torre de Babel e se decepcionam com a demora para obterem alívio do mal que os aflige: ”Cada médico fala uma coisa e a gente não consegue melhorar”.

Que os bons ventos da Medicina Sem Pressa, com sua compaixão e busca da harmonia, soprem para avivar o espírito solidário entre os médicos, e entre estes e seus clientes. Afinal, somos todos eternos aprendizes dos cuidados necessários para vivermos com mais saúde.

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Aracy P. S. Balbani, otorrinolaringologista. Sou egressa da Faculdade de Medicina da USP (turma de 1994), otorrinolaringologista formada pelo HCFMUSP, Doutora em Medicina pela FMUSP e ex-Professora Voluntária Doutora do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP). Além da Medicina, amo cachorros, livros, música e fotografia. E não dispenso as tiradas bem humoradas de Luis Fernando Verissimo, Mario Quintana e Quino.

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PS: a figura que ilustra o post foi retirada da internet (Google Images), e representa Abulcasis, médico andaluz que escreveu uma grande enciclopédia médica na Idade Média, nos primórdios da prática da Medicina na península Ibérica.

1 comentário

  1. Singelo e verdadeiro depoimento que valida ainda mais os anseios de mudança de atitude dos médicos e profissionais da saúde. Muito bom!

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