A dificuldade de ser como todo mundo

abril 28, 2021
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Texto originalmente publicado em slowmedicine.it, em 31 de março de 2021, para o projeto Storie Slow do Movimento Slow Medicine Itália

Por: Eleonora Briatore

Traduzido por: Andrea Bottoni

Conheço Paolo desde criança; ele agora tem 16 anos, está em acompanhamento na neuropsiquiatria infantil do hospital para encefalopatia epilética, com convulsões resistentes a medicamentos. No caso dele, felizmente, as habilidades cognitivas estão apenas parcialmente comprometidas. Do ponto de vista estritamente clínico, a situação de Paolo é a seguinte: com os três medicamentos indicados para sua síndrome, ele tem uma ou duas crises generalizadas curtas por mês, sempre desencadeadas pelo mesmo motivo (exercício físico acompanhado de desafio ou competição). Nada acontece se ele treinar tênis ou futebol com o pai, mas se ele jogar futebol com os amigos, é muito provável que uma crise seja desencadeada. Por este motivo, um dos muitos colegas médicos que o avaliaram anteriormente orientou os pais para que evitassem todas as situações desencadeantes. Na época, Paolo ficou muito chateado por ter que passar por restrições que ele não entendia.

Na última consulta ele chegou bastante contrariado, logo me informando que queria falar comigo sozinho. Considerando que falar é uma atividade que o cansa muito, entendi que ele me contaria algo importante. Ele se sentou e imediatamente me disse que queria tirar a carteira de habilitação para dirigir uma scooter, como seus amigos. Teoricamente a resposta seria simples: quando você consegue identificar um motivo desencadeador da crise e é capaz de eliminá-lo, evitando a ocorrência de crises por um período de mais de um ano (o que, infelizmente, era bastante improvável no caso de Paolo), a legislação europeia permite a obtenção da habilitação para dirigir. Mas, como você pode pedir a um adolescente de 16 anos, que já tem dificuldades de relacionamento e outros problemas, e que mora em uma cidade pequena, que renuncie ao lazer fora do ambiente familiar? É justo pedir a ele um sacrifício tão grande, sugerir que não jogue mais futebol com os amigos, por causa de um evento que acontece uma, duas vezes por mês?

Eu penso e observo Paolo. A última crise deixou uma escoriação na bochecha direita devido ao atrito no asfalto durante uma convulsão: os amigos correram para chamar os pais, mas não pensaram em colocar uma proteção em baixo da cabeça dele. Conversamos e tentei estimulá-lo a refletir comigo. É preciso de mais consciência das situações que o colocam em risco de crise, porque só assim ele poderá escolher o que é melhor para ele. É mais importante ter uma scooter, ou desfrutar das competições esportivas que representam para ele um momento de partilha e diversão com os amigos? Do ponto de vista médico, me parece mais prudente não tirar a carteira de habilitação, tanto por toda a situação e quanto por ser mais saudável manter as atividades esportivas com os amigos, mesmo com os riscos de desencadear uma crise. Paolo está mais tranquilo porque entendeu que cabe a ele fazer escolhas, e sabe que pode contar comigo. Depois aconselho os pais a orientarem os amigos do filho sobre o que fazer em caso de uma convulsão, visando mais segurança para Paolo, e em procurar um projeto educativo, buscando facilitar a autonomia, a socialização e a entender melhor alguns limites infelizmente impostos pelo tipo de doença.


Eleonora Briatore: médica, especialista em neuropsiquiatria infantil, trabalha no Hospital Santa Croce e Carle em Cuneo, na Itália. Atua principalmente com neurologia neonatal e pediátrica, neurofisiologia e epilepsia. Tem uma grande paixão pela música antiga e pela leitura, estudou piano, está se formando em canto barroco e canta num coral.

Andrea Bottoni: italiano, nascido em Roma; Médico pela Universidade de Roma “La Sapienza”, com Residência Médica em Nutrologia na mesma Instituição; Especialista em Medicina Desportiva, Mestre em Nutrição e Doutor em Ciências pela UNIFESP; MBA Executivo em Gestão de Saúde pelo Insper; MBA em Gestão Universitária pelo Centro Universitário São Camilo; Especialista em Mindfulenss, Instrutor de Mindful Eating Aplicado à Promoção da Saúde e Instrutor de Mindfulness Aplicado à Promoção da Saúde pela UNIFESP; Coach de Saúde e Bem-Estar; Coach Ontológico; Título de Especialista em Nutrologia, em Medicina do Esporte e em Medicina Preventiva e Social; vive no Brasil, em São Paulo, felizmente casado com Adriana, também médica.

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