A História do Meio Ambiente em São Paulo no Início do Século XX a partir de Periódicos Médicos

novembro 30, 2020
No comments
Visitas: 962
7 min de leitura

Por Afonso Carlos Neves​​​​​​​​​​

Como surgiu este livro

     Conforme se vê pelo título acima, esse livro é sobre a descoberta de uma correlação entre Medicina e “Meio Ambiente” no início do século XX. Devemos assinalar que o tema “Meio Ambiente” não existia nesse período como veio a existir depois.

     E como se deu essa “descoberta”? Esses artigos publicados nesses periódicos foram “descobertos” a partir de um olhar que se interessou por tais artigos, pois eles poderiam ter passado sem chamar a atenção.

    De 2004 a 2008, em meu trabalho de doutorado em História Social da Ciência, eu recolhi todos os artigos médicos referentes a Neurologia, Psiquiatria e Psicologia publicados entre 1889 e 1936, em periódicos médicos paulistas. Ao fazer essa pesquisa, chamaram a minha atenção alguns artigos referentes a questões que hoje podemos chamar de relativas ao meio ambiente. Eles nada tinham a ver com o meu trabalho. Eles chamaram a minha atenção por eu já ter realizado um trabalho prático referente a questões ambientais desde 1988, na EPM-Unifesp, no Hospital São Paulo e no Hospital Pirajussara, ou seja, já aplicando na prática correlações entre Meio Ambiente e Saúde. Também as correlações entre Meio Ambiente e Saúde implicam em vários elementos que vão além de, por exemplo, falar de doenças por agrotóxicos. Essa correlações também dizem respeito a desenvolver toda uma filosofia de vida, como, por exemplo, uma postura antidesperdício, um comportamento difusor de respeito ao Meio Ambiente, e assim por diante, com consequências para a Saúde em geral.

     Como dizia Michel Foucault, este trabalho, de certa forma, foi um trabalho de “arqueologia das palavras”. Da procura e descoberta de discursos do período estudado referentes às temáticas apontadas. Assim, a partir da descoberta desses artigos, foi feito um estudo sobre as personagens ligadas a eles, bem como foram encontradas obras publicadas no período estudado, bem como outra obra mais recente, mas que também se remetia a questões em período similar.

Conhecendo a Medicina do passado, impactando a Medicina de hoje

    Como dizia Marc Bloch: “A História é o presente explicando o passado e o passado explicando o presente”. Portanto, essa dinâmica da História permite entender melhor diversas questões que se vê hoje em dia, bem como permite também entender melhor questões outras passadas.

                                                                                                             São Paulo – 1910

     Nesse sentido, podemos entender a pandemia de Covid-19 de maneira mais ampla do que apenas “um vírus/um paciente”, mas passamos a entender que todo um processo histórico, político, econômico, cultural de invasão e destruição do Meio Ambiente acabou fazendo com que esse vírus, como outros já o fizeram, passaram do meio selvagem para o meio urbano. E talvez outros mais venham a surgir de modo similar.

     Este livro vem apenas abrir um caminho para o estudo da História da Saúde e Meio Ambiente no início do século XX em São Paulo. Outros trabalhos podem aprofundar essa questão. Como, na História, o passado ajuda a entender o presente, ainda outros aspectos podem trazer outros elementos para entendermos certas condições relativas à Saúde, no sentido amplo do termo, em que vivemos hoje.

    Esses quatro artigos são referentes a questões como o lixo, a água e a destruição das matas no estado de São Paulo em meio à cultura do café. Nesse sentido, um desses trabalhos é escrito pelo engenheiro João Pedro Cardoso, profissional com grande sensibilidade para a percepção da destruição das matas e suas várias consequências, incluindo para a Saúde. O outro artigo sobre a destruição das matas, do Dr. Souza Brito, parece um tanto premonitório em relação ao aquecimento da superfície do planeta. Os artigos sobre lixo e limpeza pública do Dr. Francisco Cavalcanti e o artigo do Dr. Miranda Azevedo sobre abastecimento de água em São Paulo, já incluíam toda uma complexidade que dizia respeito a esses temas. 

     Um aspecto a se ressaltar é o entendimento de como eram os periódicos médicos nessa ocasião e como eles davam espaço a tais artigos. Para entender um pouco disso, foi feito certo histórico dos primeiros periódicos médicos.

     Além desses trabalhos, também foram encontrados um livro desse período intitulado “Higiene” escrito pelo Dr. Afrânio Peixoto, entre 1913 e 1917. Nessa época, Higiene era a área que fazia interface com as questões que hoje chamamos de ambientais; era bem mais ampla do que se pode imaginar. Também encontramos o que pode ser considerado o primeiro livro sobre “sanitarismo e água” do americano Cosgrove, escrito em 1909 e publicado alguns anos depois.

     Também estudamos o livro de 2012 de Caodaglio e Cytrynowicz sobre a história do lixo em São Paulo, onde eles fazem citações de vários dados referentes ao tema em relação a leis e publicações da época.

    Com essas e outras referências que foram citadas, o exercício de “arqueologia das palavras”, como disse Foucault, permitiu termos alguma ideia do que acontecia na cidade de São Paulo no início do século XX em relação aos temas abordados. Em 1900, São Paulo tinha 230 mil habitantes, já em uma velocidade acelerada de crescimento, tornando-se o “canteiro de obras” que é até hoje. As consequências de todo esse processo, hoje em dia, para o Meio Ambiente e, consequentemente para a Saúde, pode ser em parte avaliada pela leitura desses artigos.

O que aprendemos, afinal?

     A passagem de uma visão multidisciplinar para uma visão interdisciplinar pode permitir uma nova percepção a respeito de questões complexas como as aqui abordadas. A aplicação do conceito de “patocenose” estabelecido por Mirko Gmrek, que entende o adoecer como decorrente de diversas variáveis além das apenas biológicas, pode ajudar a entender a pandemia de Covid-19 como algo bem mais amplo do que apenas um fenômeno biológico, e nesse contexto está a imensa cidade de São Paulo e o estado de São Paulo, os mais desenvolvidos no Brasil e também presentes em um mundo com pandemia e com atraso no tempo de lidar com questões ambientais que já são percebidas a mais de cem anos. No nosso enfoque, percepções essas registradas em periódicos médicos antigos.


Afonso Carlos Neves: Sou médico formado pela Escola Paulista de Medicina em 1979, neurologista, mestre e doutor em Neurologia pela EPM , com Pós Doutorado em Neurologia na University of California San Francisco. Doutorado em História Social da Ciência pela FFLCH; tive livros publicados de ficção, ensaios e pesquisa histórica. Em 2015 tive a oportunidade de participar de Workshop sobre Medicina Narrativa  com Rita Charon na Columbia University, NY. Sempre tive “um pé” em Ciências Humanas e nas Artes. Por isso, enquanto estudava medicina aprimorei-me um pouco na música e na escrita. Desde que entrei na faculdade a questão do humano me “incomodou”, nas situações em que a ciência, ou o comportamento decorrente de uma maneira de ser ou de pensar eram centradas num triunfalismo científico. Encontrei caminhos mais amplos com colegas, com alguns professores e com outras pessoas, com livros, com discos, com filmes, etc, etc. Tenho também um traço místico/religioso que influenciou na minha preocupação com o humano.

Comente!

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    Newsletter Slow Medicine

    Receba nossos artigos, assinando nossa
    newsletter semanal.
    © Copyright SlowMedicine Brasil. todos os direitos reservados.