Algumas breves considerações sobre Slow Medicine

agosto 1, 2018
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Por Dario Birolini:

Estamos vivendo um momento muito conturbado do exercício profissional da medicina no Brasil e, quem sabe, no mundo. Em decorrência dos incríveis impactos dos meios de comunicação e das redes sociais, informações e desinformações são divulgadas de forma inimaginável tanto à população leiga como aos profissionais de saúde. A grande maioria destas divulgações obedece, tão somente, a motivações de ordem econômica ou de promoção pessoal. Nos dias atuais, seja pela presença de “sintomas”, frequentemente sem qualquer significado, como pelo desejo de manter-se saudável, ainda que totalmente assintomático, o leigo consulta o Dr. Google ou algum de seus “assistentes”, faz seu próprio diagnóstico e, apenas então, procura o médico (do convênio…) à procura de solicitações de exames ou de prescrição de medicamentos.  A realização periódica de “check ups”, às vezes com intervalos de poucos meses, é interpretada como a melhor forma de diagnosticar precocemente doenças potencialmente graves e de iniciar medidas terapêuticas eficazes. O uso de medicamentos, quanto mais novos, melhor, é visto como uma medida absolutamente necessária e totalmente justificada para a prevenção de doenças. É comum que um paciente, agora “impaciente”, tome numerosos medicamentos destinados a prevenir diabetes, hipertensão, infartos, acidentes vasculares e outras possíveis doenças, e que use um hipnótico a noite para dormir, um antidepressivo ao acordar para despertar melhor e um ansiolítico na hora do almoço para controlar a agitação devida ao efeito do antidepressivo. Além disso, os “incômodos” nas “juntas”, a musculatura fraca, a prisão de ventre, o refluxo e muitos outros problemas como a obesidade, a queda de cabelo, são incentivos à procura de drogas, quando não de procedimentos, capazes de controlá-los. Corrigir maus hábitos de vida é algo inaceitável. Quando enfrenta algum problema que o assusta, o impaciente procura o pronto socorro mais próximo de casa ou de algum hospital de renome onde é assistido por algum médico jovem, não raramente inexperiente, que não o conhece e que adota a postura habitual: pede exames, quando mais sofisticados melhor, levanta um diagnóstico, não raramente descabido, prescreve medicamentos da moda e, não raramente, propõe uma internação hospitalar quando não em alguma unidade de terapia intensiva. A consulta do impaciente a “seu” médico não existe mais e a relação médico/paciente, que era o alicerce da medicina “do passado”, acabou. O que é pior é que, também na vertente profissional, está ocorrendo um tsunami não muito diferente. Cada ano aumenta o número de médicos que fizeram seu curso em faculdades privadas, sem hospitais-escola e sem docentes qualificados. As vagas de residência são totalmente insuficientes, assim como a duração dos estágios. Ao término de seu curso, os alunos recebem um diploma que os habilita ao exercício da profissão ainda que, de medicina propriamente dita, pouco entendam. Passam a trabalhar em um mercado absolutamente precário. Na tentativa de encontrar uma solução, dedicam-se a alguma especialidade o que resulta em progressiva e alarmante fragmentação da assistência. Habitualmente não se comunicam com os demais colegas, o que resulta, não raramente, na prescrição de medicamentos já prescritos por outros médicos ou na solicitação, e na repetição, de exames  totalmente desnecessários.  Deixam de tratar dos pacientes e passam a corrigir achados de exames. Um exemplo do impacto da fragmentação e da falta de comunicação é o que acontece com os radiologistas que, cada vez mais, se transformam em “fotógrafos”. Interpretam achados de imagens sem conhecer os pacientes e, não raramente, os médicos que solicitaram os exames tratam dos achados que constam nos laudos e não mais dos pacientes. No “meu tempo” a avaliação cínica era soberana e os exames eram complementares. Nos dias atuais acontece exatamente o contrário. Para complicar mais ainda este panorama, a atualização dos médicos está se tornando cada vez mais difícil seja do ponto de vista quantitativo, pela imensidão de informações/desinformações que são oferecidas, como do ponto de vista qualitativo, em decorrência da divulgação de mentiras mesmo por revistas conceituadas. Uma das inúmeras consequências desta catástrofe é a adoção crescente da assim denominada “defensive medicine” que eu denomino “offensive medicine” ou “expensive medicine”. Para garantir sua segurança, os médicos passam a adotar “guidelines” e “protocolos” elaborados e divulgados por representantes de sociedades médicas de diferentes países e, não raramente, por empresas especializadas em garantir vantagens econômicas para a indústria farmacêutica. Em outras palavras, a assistência deixa de ser individualizada. Tomam-se iniciativas voltadas para “a população”, esquecendo que cada um de nós é apenas “um” do ponto de vista genômico e fisiológico. Uma das consequências desta catástrofe é o abuso de medicamentos exigidos pelos “impacientes” e prescritos por vários “especialistas”, que resultam em uma cascata de efeitos adversos e de interações medicamentosas. Sugiro que você entre no site MEDSCAPE, clique no item “DRUGS & DISEASES”, digite o nome do princípio ativo de um medicamento de sua escolha, clique no nome e a seguir procure “interactions” e “adverse effects” e, se seu “impaciente” faz uso de mais de um medicamento, digite as substâncias ativas dos produtos farmacêuticos no Drug Interaction Checker. Pois bem, para finalizar estas breves considerações, concluo que o exercício atual da medicina valoriza cada vez mais a “fast medicine”, ou seja, a medicina que adota alguns princípios que podem ser assim relacionados: 1) O novo é sempre melhor; 2) Todos os tratamentos são eficientes e seguros; 3) A tecnologia resolve qualquer problema; 4) Fazer mais ajuda a recuperação e melhora a qualidade de vida; 5) A identificação precoce das doenças é sempre melhor; 6) Os “fatores de risco” devem ser tratados com medicamentos; 7) As emoções e o humor podem ser controlados por medicamentos, e, como consequência, incentiva a fragmentação da assistência, não ajuda os pacientes a tomar decisões responsáveis a respeito de seu próprio tratamento, adota o uso de fármacos para qualquer desconforto, apoia o conceito de que fazer mais é sempre melhor e é orientada pela doença e não pela saúde. É exatamente por todas estas razões que foi lançada a “ Slow Medicine” ou a “Medicina sem Pressa”, cujos princípios básicos são a dedicação de tempo suficiente para ouvir, compreender, avaliar e oferecer suporte emocional ao paciente, investir na individualização e não na generalização da assistência, respeitar as opções do paciente e compartilhar as decisões com ele, levando em conta suas características pessoais, familiares, sociais. Para alcançar tais objetivos, a Medicina sem Pressa valoriza a relação médico-paciente, incentiva o médico a dedicar um tempo suficiente à consulta, a usar de forma adequada os recursos diagnósticos, a avaliar tanto a eficácia como os possíveis riscos do tratamento, a assumir seu papel perante a família e a sociedade e a reconhecer suas limitações e seus erros. Para encerrar, sugiro que entrem no site Slow Medicine Brasil e analisem seu conteúdo. 

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Matéria publicada originalmente na Revista da Regional de Piracicaba da Associação Paulista de Medicina, em sua edição número 137,  de Janeiro de 2018.

 

A imagem destacada na matéria é proveniente do site HCP, Single Source for Medical News.

1 comentário

  1. MUITO BOM ARTIGO, PARABÉNS AOS AUTORES.

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