Choosing Wisely Italy e o papel dos médicos para conter a emergência climática

janeiro 31, 2024
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Antonio Bonaldi e Sandra VerneroSlow Medicine ETS

Tradução : Andrea Bottoni

Texto publicado em 07 de novembro de 2023 no site da ADOI – Associação dos Dermatologistas de Hospitais Italianos e da Saúde Pública

Mudanças climáticas, ecossistemas e saúde

Telmo Pievani (filósofo e evolucionista, professor titular de Filosofia das Ciências Biológicas no Departamento de Biologia da Universidade de Pádua – Itália), em sua bela e apaixonante apresentação de 30 de setembro de 2023, no encerramento do 60º Congresso Nacional da ADOI, lembrou-nos com palavras simples e exemplos concretos do impacto devastador do comportamento humano no meio ambiente e na biodiversidade, destacando a crescente deterioração dos delicados equilíbrios naturais que preservam os ecossistemas e com eles a vida no nosso planeta. Devido à enorme utilização de combustíveis fósseis, a temperatura do planeta está cada vez mais alta. Com isso observa-se um aumento da frequência e da intensidade dos fenômenos climáticos extremos, levando a uma competição crescente pelo acesso à recursos vitais (alimentos, água, energia). Resultado: imigração, fome, guerras, epidemias e conflitos sociais difíceis de controlar com consequências desastrosas para a vida e a saúde. Considerando o Acordo de Paris, que propõe a contenção do aquecimento global em até 1.5° C, em comparação com a era pré-industrial, as emissões de gases com efeito de estufa (provocadas pelo homem) deveriam ser reduzidas em 55% até 2030. Uma tarefa muito difícil, mas não impossível, recorda-nos o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (IPCC), na medida em que existem atualmente uma grande variedade de soluções, com sinergias e benefícios promissores (1). No entanto, devemos agir de forma determinada, profunda e rápida em cada área específica de atividade: energia, agricultura, transportes, indústria, cidades, edifícios. 

A contribuição dos serviços de saúde para as emissões de gases com efeito de estufa

E o setor da saúde? Também contribui para o aquecimento global? O que podem os médicos e profissionais de saúde fazer para mitigar o impacto dos serviços de saúde nas alterações climáticas? É possível atingir esse objetivo sem comprometer a qualidade e a segurança dos cuidados?Aproximadamente 5% das emissões de gases que alteram o clima na atmosfera provenientes de atividades humanas podem ser atribuídas aos serviços de saúde. Um valor significativo, que vale mais ou menos o dobro de todo o transporte aéreo e que coloca a atividade de saúde em 1º lugar entre os vários setores relativos aos serviços (2). Tendo em conta os impactos significativos das alterações climáticas na saúde e em conformidade com o princípio ético de não causar danos, os médicos devem estar na vanguarda do trabalho para descarbonizar os serviços de saúde. Para tal, os hospitais e as empresas de saúde devem instrumentalizar-se de um “Protocolo” próprio para se aproximarem dos objetivos de Paris, indicando, de forma clara e explícita, as ações que pretendem adotar para alcançar a neutralidade climática até 2050 (3). Onde começar?

Figura 1

Na figura 1 podemos ver as principais fontes de gases de efeito estufa provenientes dos serviços de saúde (4). Os dados referem-se ao Serviço de Saúde Inglês, mas os valores não deverão ser muito diferentes dos relativos ao nosso país. Como se pode verificar, a gestão dos edifícios (aquecimento, refrigeração e iluminação), sobre a qual geralmente se concentra a atenção dos administradores “verdes”, representa apenas 10% do total das emissões. A eficiência energética dos edifícios, portanto, apesar de ser um trabalho importante, não resolve o problema. Para descarbonizar os serviços de saúde, precisamos lidar com todo o processo de gestão do cuidado envolvendo diretamente todos os profissionais de saúde. Há muito que pode ser feito, mas por onde começar? Para delimitarmos as ações, propomos a utilização de seis áreas de trabalho, para cada uma das quais podem ser facilmente identificadas muitas iniciativas práticas, viáveis e eficazes: 1. gestão de edifícios; 2. digitalização dos cuidados e mobilidade de pacientes e funcionários; 3. lixo hospitalar; 4. dieta; 5. gases anestésicos, medicamentos e dispositivos médicos; 6. adequação dos serviços de diagnóstico e tratamento (5).O último ponto, em particular, merece muita atenção porque a literatura científica lembra-nos que apenas 60% dos serviços de saúde se baseiam em orientações de reconhecida eficácia, 30% dos tratamentos são inúteis ou de pouco valor clínico e 10% são mesmo prejudiciais (6). Uma abordagem terapêutica mais equilibrada é considerada uma das medidas mais importantes para conter o impacto climatológico dos serviços de saúde, bem como uma ferramenta válida para evitar desperdícios e melhorar a qualidade dos cuidados (7,8). Consideremos, por exemplo, que mil exames laboratoriais produzem o CO2 equivalente a 700 km percorridos de carro ou que uma única ressonância magnética produz o CO2 equivalente a um carro que percorre 145 km (9) e, naturalmente, o serviço “mais verde” é aquele que não é realizado quando é inútil . Sobre este tema, nos últimos anos, foram lançadas diversas iniciativas internacionais importantes, entre as quais recordamos a Choosing Wisely, lançada nos Estados Unidos em 2012 (agora presente em 35 países nos 5 continentes) e, no mesmo ano, na Itália, coordenada pela então Associação Italiana de Slow Medicine, com o projeto “Fazer mais não significa fazer melhor”, também conhecido como Choosing Wisely Italy (10). As Sociedades Científicas participantes no projeto devem definir pelo menos 5 recomendações sobre procedimentos diagnósticos ou terapêuticos que são frequentemente prescritos mas que nem sempre trazem benefícios significativos aos pacientes e eventualmente podem expô-los a consequências prejudiciais. Estas recomendações terão de estar no centro do diálogo entre profissionais, pacientes e cidadãos. Até outubro de 2023, mais de 50 sociedades científicas da área da saúde aderiram ao projeto e foram definidas mais de 300 recomendações, que podem ser consultadas no site Choosing Wisely Italy (10). Além disso, as recomendações estão incluídas como boas práticas clínicas no Sistema de Diretrizes Nacionais do Instituto Superior da Saúde na Itália (11) e na base de dados internacional para apoio à decisão clínica DynaMed (12).

Juntos aos movimentos nacionais e internacionais

Um grupo grande, qualificado e crescente de profissionais reconhece a necessidade de se empenhar nesta frente porque isso não significa desistir de tratar os pacientes adequadamente ou não prescrever o tratamento que considera útil ao paciente. Longe disso. A boa notícia é que essas iniciativas não exigem nenhum sacrifício por parte dos pacientes. A sustentabilidade ecológica é hoje considerada, juntamente com a eficácia, a eficiência, a segurança e a equidade, uma das dimensões através das quais a qualidade dos cuidados se expressa e é avaliada (13,14). Considerando o interesse e a sensibilidade destacados pelos dermatologistas durante o Congresso, acreditamos que aderir ao Choosing Wisely Italy representa o sinal imediato e concreto do compromisso unânime que os dermatologistas italianos assumem para lidar com a emergência climática e melhorar a qualidade dos cuidados. Para participar no projeto, a ADOI deverá registrar-se como membro institucional da Slow Medicine ETS. Um grupo de especialistas, associado ao envolvimento de outros sócios, devem identificar, com base na experiência e nas evidências científicas, 5 procedimentos atualmente utilizados na prática clínica dermatológica, que muitas vezes são prescritos de forma inadequada, que não trazem benefícios e que podem ser prejudiciais aos pacientes e ao meio ambiente. Um caminho virtuoso não só do ponto de vista médico, mas também do ponto de vista deontológico e ético, que poderá ter um impacto tangível e benéfico nos pacientes, no serviço de saúde e no ambiente.

Referências bibliográficas

  1. AR6 Synthesis Report: Climate Change 2023. ICCP, 23 march 2023.
  2. Romanello M et al: The 2022 report of the Lancet Countdown on health and climate change: health at the mercy of fossil fuels. Lancet 2022; 400: 1619–54.
  3. Global Road Map for health Care Decarbonization. Health Care without Harm 2021.
  4. NHS: Delivering a “Net Zero” National Health Service. London 2022.
  5. Bonaldi A et al: L’impronta ecologica dei servizi sanitari: cosa dovrebbero fare i professionisti della salute. Il Cesalpino 56/2022: 14-17.
  6. Braithwaite et al: The three numbers you need to know about healthcare: the 60-30-10 Challenge BMC Medicine (2020) 18:102.
  7. Barratt A et al: Overdiagnosis is increasing the carbon footprint of healthcare. BMJ 2021;375: n2407.
  8. Tackling wasteful spending on health. OECD; 2017.
  9. McAlister S et al The carbon footprint of hospital diagnostic imaging in Australia. The Lancet Regional Health – Western Pacific 2022; 24: 100459.
  10. https://choosingwiselyitaly.org
  11. https://www.iss.it/-/choosing-wisely-edizione-italiana
  12. https://www.dynamed.com/quality-improvement/choosing-wisely-italy
  13. Mortimer F et al: Sustainability in quality improvement: redefining value. Future Healthcare Journal 2018 Vol 5, No 2: 88–93.
  14. Choosing Wisely and the climate crisis: a role for clinicians Born KB et al: BMJ Qual Saf 2023;0: 1–5.

Andrea Bottoni, médico nutrólogo, traduziu o artigo. Conheça o seu canal no YouTube aqui 👈🏻 e seu perfil no LinkedIn aqui 👈🏻.

1 comentário

  1. Um conhecimento imprescindível a toda classe médica e que não é divulgado. Parabéns pela iniciativa de publicar o artigo. Atenção Primária é ecologicamente correta quando praticada sob os preceitos da Medicina Baseada em Evidências, Prevenção Quaternária / Choosing Wisely / Slow Medicine.

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