E se fosse com você?…

dezembro 30, 2021
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Por Carla Pachêco:

Não é o diploma médico, mas a qualidade humana, o decisivo.

Carl Gustav Jung

Nesses mais de 20 anos atuando em Unidades de Terapia Intensiva – Adulto, em especial, nos 14 anos em que estive na UTI Neurológica, com certeza aprendi muito mais do que ensinei.

Trabalhar por horas e horas a fio, sempre no limite, nos ensina, sobretudo, a valorizar a vida, a receber o momento presente como um presente, a primar pela forma como investimos o nosso tempo, e a apreciar os pequenos detalhes. Gestos simples que, no geral, passam despercebidos no nosso dia a dia ganham outra dimensão – sentar-se, escovar os dentes, pentear o cabelo, alimentar-se, coçar o nariz, se expressar…

Quantas vezes ou sair extenuada de um plantão, física e emocionalmente, desejei desesperadamente tomar um sorvete (não qualquer um, mas aquele, daquele sabor específico e naquele lugar), pedir perdão… dizer eu te amo.

Ao dividir as histórias de tantos Josés e Marias, deitados lado a lado, sem distinção de cor, credo, escolaridade, apenas homens e mulheres que, de repente, não mais que de repente, tiveram suas vidas reviradas pelo avesso e passaram a ver o mundo sob nova perspectiva (na horizontal), tudo o mais ganha um senso de urgência. E como nos versos da “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso, “… tempo, tempo, tempo, tempo, compositor de destinos, tambor de todos os ritmos, tempo, tempo, tempo, tempo… que sejas ainda mais vivo”, queremos acreditar que podemos negociar.

Enganam-se os que pensam que a UTI é um corredor da morte; a UTI é um lugar de celebração da vida. Preenchemos muito mais Relatórios de Alta do que Atestados de Óbito. Felizes aqueles que têm o privilégio de ganhar uma segunda chance e, felizes somos nós, Intensivistas, que temos a oportunidade de participar dessa conquista.

Mas é preciso termos claro, acima de tudo, o respeito ao curso natural da vida.

Logo no meu primeiro dia de Residência Médica, recebi do meu preceptor as duas grandes lições que se tornariam o mantra que rege o meu exercício profissional.

A primeira delas foi, não temos o direito de fazermos MAMBA com nossos pacientes. Mamba é uma cobra africana das mais rápidas e venenosas que existem. Escapar dela é uma tarefa praticamente impossível e a sua picada, quase que invariavelmente, levará a sua presa a morte, mas não sem antes lhe infringir muita dor, ou seja, não temos o direito de praticar Distanásia com nossos pacientes.

Não podemos perder de vista que, os mesmos instrumentos e procedimentos dos quais lançamos mão para salvar vidas, se não muito bem indicados, podem servir de “elementos de tortura”, como Terapia Fútil e Inútil para se lutar contra o inelutável.

E a segunda foi, aqui (na UTI) são os pacientes que precisam ser tratados, não nós (os médicos), traduzindo, nossos anseios e frustrações precisam ficar à margem para que possamos focar no que é melhor para cada paciente em particular, ainda que, nossas escolhas possam ir de encontro com as nossas expectativas.

Assim, espero que saibamos exercer a medicina para além da técnica, com arte, de forma SÓBRIA, RESPEITOSA e JUSTA, e que sejamos agraciados com a maior honraria que um médico pode receber, como muito bem disse o Dr. JJ Camargo (por quem tenho um enorme carinho e uma profunda admiração): ser chamado de “meu Doutor!”.

Lembrem-se, a regra mais preciosa não é a “Regra de Ouro” – tratar o outro como você gostaria de ser tratado” –, mas sim, a “Regra de Platina” – fazer para o outro o que ele gostaria que fosse feito para ele. Somos seres irreplicáveis, portanto, nossos desejos, expectativas e valores diferirem. Somente se soubermos considerar as nossas diferenças seremos capazes de promover um Cuidado Efetivo em Saúde.

E se fosse comigo? Gostaria de encontrar no meu médico um parceiro, alguém que se ativesse primeiro a mim ante a doença.

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Carla Suzane Góes Pachêco: Carioca, casada, mãe de um casal e de um quatro patas (um cãozinho da raça Shih Tzu). Médica especialista em Terapia Intensiva/Adulto, MBA Executivo de Gestão em Saúde e Mestre em Ensino na Saúde. Apaixonada por escrever e viajar, é autora da série de livros Perfume de Hotel. Cronista, tem participação em várias Antologias de publicação nacional e internacional.

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