Elogio a Dennis McCullough

junho 3, 2018
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Por José Carlos Campos Velho:

“Se me esqueceres, só uma coisa, esquece-me bem devagarinho.”

Mario Quintana

O dr. Dennis McCullough foi o grande porta voz da Slow Medicine nos EUA. Ele é autor do livro My Mother Your Mother, e se debruçou sobre o envelhecimento e o final de vida, trazendo ao centro da discussão uma prática geriátrica mais gradual, ponderada e reflexiva e uma proposição da desaceleração do processo de tomada de decisão em relação às investigações diagnósticas e procedimentos terapêuticos nos idosos. Muito mais do que isso, ele propunha uma verdadeira mudança de paradigmas na atenção aos idosos. Em seu livro ele fala dos últimos anos da vida e das maneiras como as pessoas podem se preparar para que eles sejam vividos de maneira tranquila e satisfatória, sugerindo uma estratégia de atenção que propõe formas de enfrentamento das situações que surgem com  a passagem do tempo, na medida em que a situação clínica do idoso se agrava, a dependência progride e as intercorrências clínicas e doenças complicam sua saúde.

Dennis infelizmente nos deixou há 2 anos. Este artigo debruça-se sobre um lindo texto, escrito pela enfermeira Laurie Harding , que trabalhou com Dennis em um belíssimo projeto chamado Upper Valley Community Nursing Project. O texto, chamado Eulogy for Dennis, foi lido por ocasião de suas exéquias e fala de sua história pessoal e profissional e também de suas ideias. “Dennis era uma pessoa muito humilde e gentil. Ele fazia com que as pessoas  em sua presença se sentissem  muito confortáveis. Acima de tudo, sempre me lembrarei de como ele ouvia bem. Seus modos silenciosos permitiam-lhe a oportunidade de perceber detalhes muito pequenos, mas frequentemente críticos, que muitos de nós que se moviam velozmente podiam com frequência perder. Minha imagem de Dennis sempre será ele sentado na cadeira de balanço na sala de parto de uma paciente na APD. Eu estava correndo para verificar o monitor fetal, me preparando para o parto e Dennis estava sentado lá, balançando na cadeira. Admito que eu estava muito nervosa e querendo que ele verificasse o colo do útero e assumisse de uma vez por todas o parto. Dennis apenas observava a paciente,  e não o monitor, e finalmente disse: ‘Acho que ela está pronta para ter esse bebê.’ Com certeza, a paciente agora estava com o colo do útero completamente dilatado e dez minutos depois deu a luz a um bebê saudável. Ele tinha um sexto sentido que desenvolveu ao ouvir seus pacientes.”

Em sua particular visão da velhice, Dennis criou uma série de conceitos e atitudes que deveriam permear a prática geriátrica. Laurie prossegue, comparando o livro de Dennis à outra obra icônica sobre a velhice e a morte, que alcançou grande repercussão no mundo, Mortais.

“Em minha opinião, primeiro havia Dennis McCullough e depois Atul Gawande. Ambos trazem para o primeiro plano aquilo que a medicina tradicional há tanto tempo colocou em segundo plano – a arte de desacelerar as coisas, construir relacionamentos, falar a verdade, nutrir esperança quando há esperança, minimizar o uso agressivo de testes diagnósticos, procedimentos e medicamentos quando possível e, mais importante, ficar em sintonia com o que realmente importa para seus pacientes doentes ou em fase final de vida.”

O trabalho no projeto de enfermagem em Upper Valley também é contemplado neste requiém. Talvez tenha sido o grande esforço de Dennis em consolidar, em um modelo concreto, as ideias e a filosofia do que ele chamava de Slow Medicine. As abordagens multiprofissionais e multidisciplinares tem um claro espaço dentro dos princípios da Medicina sem Pressa. Neste trabalho fica claro o quanto Dennis prezava os diferentes olhares e as diferentes habilidades trazidos pela presença de múltiplos profissionais envolvidos em um amplo plano de cuidados. Se este cuidado é voltado para os idosos, em particular aqueles mais fragilizados, esta perspectiva enriquecedora ainda toma maior relevância.

“O cuidado que essas enfermeiras estavam prestando era focado na gestão de cuidados, educação em saúde, advocacia, reconciliação de medicamentos, planejamento avançado de cuidados e resolução de problemas.(…) Dennis amava esse modelo de cuidado porque era um regresso para um tempo melhor, quando os enfermeiros da comunidade conheciam não apenas os seus pacientes, como também suas famílias, e o cuidado era motivado pela necessidade e não pelo reembolso. Os enfermeiros passavam tempo ouvindo atentamente aos seus pacientes, a fim de identificar a verdadeira fonte de suas dores e de seus problemas físicos, emocionais e espirituais. Eles não eram impulsionados pelas expectativas de produtividade.” Configurando verdadeiramente o que temos chamado de Slow Nursing, uma enfermagem sem pressa.

Em um artigo publicado na revista da Escola de Medicina de Dartmouth, Dennis afirma que “a medicina americana é melhor para administrar crises agudas e fornecer procedimentos eletivos especializados, como implantes de próteses articulares, transplantes de órgãos, cirurgias oculares, mudanças cosméticas – todas elas verdadeiras maravilhas tecnológicas modernas. Porém, em relação à gestão, ao manejo cotidiano e suporte aos idosos e suas famílias que lidam com os problemas da velhice e doenças crônicas que frequentemente a acompanham, nosso sistema de assistência médica não o faz tão bem.”

Esta matéria é uma merecida homenagem à Dennis, médico de família e geriatra, que foi uma das primeiras vozes a criar e divulgar as concepções da Slow Medicine e trabalhar incansavelmente em sua divulgação nos EUA e no mundo. Como afirmamos em outra ocasião, “o legado de Dennis McCullough ainda está para ser explorado de forma sistemática. Congruente com nossos tempos, iremos encontrar sua obra dispersa em artigos, em revistas especializadas, inúmeras reportagens na imprensa e na mídia digital, vídeos em redes sociais, e profundamente condensada em sua obra prima, My Mother Your Mother.” Tivemos a oportunidade de contar com seu apoio e aconselhamento quando da concepção do nosso site, e uma das primeiras postagens que fizemos é uma contribuição direta dele.

Finalizamos com um outro excerto do Elogio a Dennis, lido em seu funeral, que condensa o conceito de Slow Medicine para Idosos: “intervenções médicas caras com tecnologia de ponta não produzem necessariamente resultados superiores. O cuidado gentil e personalizado em geral produz melhores desfechos, não apenas para os idosos no final da vida, mas também para as famílias que os amam.”

PS: a tradução de trechos do texto de Laurie Harding foi feita de forma livre, buscando expressar com maior fidedignidade sua expressão em português.

1 comentário

  1. Dennis was as fine a human being as we will encounter in our lifetimes. Thank you for remembering.

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