…Eu tinha pressa… uma trajetória

fevereiro 13, 2020
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Por António Pessanha Henriques Junior:

“Cada homem deve inventar o seu caminho.”

Jean-Paul Sartre

Era dezembro de 1.981 e me graduei médico recém completados 23 anos.

Dá para imaginar, que para chegar até aqui, com essa idade, tive que “pular” a adolescência, com privações e inibições de sentimentos, comuns para aquela fase.

Quase que sem intervalo, fiz Residência Médica por 3 anos em Cirurgia Geral e Trauma e Endoscopia, cumprindo sempre uma carga horária que só mesmo a juventude nos permitia suportar. Às vezes surpreendia colegas reclamando do valor da bolsa que recebíamos e pensava, sem mesmo me expressar, que era mais que suficiente, já que dificilmente conseguia tempo para gastá-la.

Emendei com a vida profissional/autônoma, como se fora um residente, até que poucos anos depois fui assombrado com o burnout, pouco compreendido e divulgado na década de 80 do século passado. Mas fui a nocaute.

Pronto! E agora, como lidar com o inesperado e a invisibilidade de uma doença da esfera das ideias? Eu entendia mesmo era de doença da esfera “das coisas”.

Me treinaram para pilotar um caça e eu mal me sustentava em uma asa delta ou um planador.

A “reconstrução” da minha vida, pessoal e profissional, teve então que ser elaborada com paciência e tive que aprender a fazê-la de forma “slow”.

Tive medo; muito medo desse novo formato. E poucos foram aqueles que viam essa reconstrução como possível e útil.

Esses poucos, fundamentais, trilharam comigo um percurso longo, fragilizado, amedrontado e envergonhado.

A graduação do curso médico é alicerçada em disciplinas múltiplas, com profissionais diversos, muitas vezes com conceitos bastante intensos, mas focados em doenças, muito mais que em doentes. Falta na grade curricular matérias que privilegiem HUMANIDADES, bem assim, em maiúsculo, e que tanta falta me fizeram para minha “reconstrução”.

Então, de forma intuitiva, mas com muita disciplina e perseverança, quesitos que não me abandonaram, busquei na FILOSOFIA o que me faltara na graduação médica.

“Descobri” que na Medicina, nos ensinam o Certo X Errado, mas isso me parecia pouco. O complemento veio com reflexões sobre o JUSTO X INJUSTO, que só na Filosofia pude encontrar.

Que benção!

Aos poucos, recebia da Filosofia conceitos que me serviram verdadeiramente como “curativos” para os tantos ferimentos, que se não cicatrizavam perfeitamente, me deixavam satisfeitos com os “queloides” e funcionalmente capaz.

Depois de muitos livros, palestras, aulas teóricas e práticas, e uma graduação em Filosofia; fui aos poucos me sentindo mais seguro e completo para CUIDAR muito mais do que o curar. E não mais com sentimento de incompletude em muitos acompanhamentos de finais.

“Descobri” o que me foi omitido por falha curricular, que Medicina e Filosofia são irmãs siamesas, e que aquela não se poderia exercitar sem esta.

Que “descoberta” maravilhosa.

E então, não sei se fui eu quem procurei ou se fui encontrado pelo movimento da SLOW MEDICINE.

O que sei, é que me apaixonei e percebi que eu estava me tornando o que sempre fui.

Quando vi no slogan da Slow Medicina – uma medicina SÓBRIA / RESPEITOSA e JUSTA, me remeti aos pré-Socráticos que propunham o BEM, o BOM, o JUSTO, o VIRTUOSO.

Coincidência?

Não, verdadeiramente uma releitura.

Passei então a prestar mais atenção a preceitos e ensinamentos guardados desde minha graduação em Medicina, mas com pouca importância naquela época; talvez por imaturidade, negligência ou até mesmo incompetência nessas percepções.

A FILOSOFIA me ajudou em verdadeiramente “exumar” sentimentos e conceitos que acreditava ser de responsabilidade única da Medicina.

Asclepius and his daughter Hygieia (Greek Roman Mythology). Woodcut engraving from the the book “Der Olymp oder die Mythologie der Griechen und Römer (The Olympus or the Mythology of the Greeks and Romans)”, published by A.H. Petiscus in C.F. Amelang’s Verlag, Leipzig (1878, 18th edition)

Não me ensinaram, naquela época, a Perceber e Sentir, porque tinha pressa para outros aprendizados e afazeres. Mas eles estavam sempre ali, eu é que não os percebia.

Que dó!

No brasão da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, de Belo Horizonte, onde me graduei, há uma frase imputada a Sófocles (dramaturgo grego da era Hipocrática) que diz: “nunquam satis discitur” – nunca se aprende o suficiente. E eu nunca tinha notado tamanha importância disso.

Em meus treinamentos, vez por outra ouvia, de forma automatizada uma frase, que nunca me abandonou: “quem não sabe o que procura, não entende o que encontra”; e nem mesmo sabia seu autor, Kant, um dos Filósofos mais importantes do século XVIII, considerado um marco na Filosofia; talvez hoje o chamassem Influencer.

Como pude não saber tudo isso?

…eu tinha pressa…

Agora, com a clareza de pensamentos maduros, mais estáveis, gentis, e sem pressa, posso concluir que fui reerguido pelas mãos da Filosofia, numa verdadeira RESSUREIÇÃO.

Mas há que “merecê-la”.

Há tempos, tenho metas reais no quesito CUIDAR-ME.

Um passado diagnóstico de transtorno de ansiedade, na categoria do burnout, torna você conhecedor de seu limite, o que é assustador, principalmente quando por algum motivo você o avizinha. Então é necessário cuidado e um dos segredos é OCUPAR-SE e ter pelo menos uma pessoa a quem queira bem, e que seja cúmplice desse cuidar, muitas vezes fazendo mediação de seus conflitos.

Para tanto, é preciso identificar ocupações prazerosas, que muitas vezes estão na categoria do VOLUNTARIADO, sempre com a consciência Hipocrática do “primum non nocere” (em primeiro lugar não causar danos) e não tirar do foco a SUFICIÊNCIA.

Me ocorreu agora uma frase de Confúcio (filósofo chinês que viveu 500 A.C), que desde quando me foi apresentada, nunca mais se descolou de mim e que tento lembrá-la e exercitá-la diariamente, como a um mantra: “nada é bastante para quem considera pouco o suficiente”.

Para esta SUFICIÊNCIA, é necessário o desapego e uma vida simples com relações honestas, que absolutamente não quer dizer que seja chata ou monótona, a depender de seus propósitos, e estes estão implícitos no movimento SLOW, incluindo aqui hábitos alimentares e da rotina numa cidade do interior de São Paulo, com aproximadamente 25.000 habitantes, onde o deslocamento pode muito bem ser feito a pé.

Minha vida profissional hoje é preenchida com atividades que geram prazer em cada ocupação, tendo a ENDOSCOPIA ocupado a maior parte do tempo de um cirurgião que não mais opera. Sou um endoscopista SLOW e mesmo assim resolutivo. Trabalho em hospital secundário (Santa Casa de Cajuru, único hospital local), que me limita, e muito, abordagens terapêuticas complexas. Essas limitações são pessoais, institucionais e tecnológicas. Ter consciência disso, me permite priorizar O QUE FAZER, muito mais do que O COMO FAZER.

Não se frustrar com essas limitações é um exercício interessante e necessário para manter saúde mental e prevenir “recaídas”.

Meus pacientes, prioritariamente advém da rede pública, em sua maioria desfavorecidos socialmente. Lidar com eles, de forma sóbria, respeitosa e justa, tem sido meu remédio.

Paralelamente e não menos importante que minha ocupação profissional, há 7 anos participo de um projeto – EDUCAÇÃO PARA A MORTE – na cadeira de Filosofia do ensino médio em uma escola pública estadual, GALDINO DE CASTRO DE CAJURU, SP, onde fazemos encontros para reflexões sobre a Morte, o Morrer, a Finitude e a Impermanência.

O propósito, inicialmente intuitivo, tomou uma proporção, que o tornaram IMPRESCINDÍVEL. Recebemos ao longo desses anos, convidados especiais presencialmente ou via vídeo conferência, que nos falaram e debateram temas como: perdas, luto gestacional e neonatal, luto na infância, prevenção e posvenção do suicídio, diversidade, tolerância, LGBT fobia, luto nas mídias sociais, cuidados paliativos, diretivas antecipadas de vontade e testamento vital, e um tema recorrente: relações honestas e horizontais.

Imagine você esses alunos quando na condição de cuidadores de si e/ou de terceiros, discutindo VALORES e sendo mais ÉTICOS? Serão absolutamente melhores que qualquer um de nós. E é esse o maior propósito.

Um dia, ouvi de um EDUCADOR que o importante não é ser feliz. O importante é ser BOM.

E o sendo, a felicidade vai te encontrar…

Aqui você pode encontrar mais sobre o projeto EDUCAÇÃO PARA A MORTE (grupo no facebook)

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Pessanha Júnior:


Idoso jovem (61 anos).


Graduado em Medicina e Filosofia.


Casado com Gilena Luz há mais de 3 décadas.


Pai de Luísa, Laura e ainda de Pandora, a irmã canina delas.


Mantendo sempre a indignação em alta, sonha com a diminuição das Desigualdades Sociais, nossa maior doença, e com foco tão somente no ESSENCIAL.


Na busca pela Suficiência, gostaria de ser lembrado como um EDUCADOR.


E ao final de tudo, fazer falta.

 

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