Ladd Bauer

abril 6, 2021
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Por: Movimento Slow Medicine Brasil

“O tempo pode ser medido com as batidas de um relógio ou pode ser medido com as batidas do coração.”

(Rubem Alves)

Quando entramos em contato com os princípios da Slow Medicine, algo que costuma nos tocar logo de início são os questionamentos individuais. Nós passamos a nos perguntar, cada vez mais frequentemente, quem é a pessoa sentada à nossa frente no consultório. Buscamos entender seus desejos (inclusive os escondidos), suas virtudes admiráveis, seus medos inconfessáveis, seus valores mais sagrados, suas crenças mais profundas. Usamos esse conhecimento para ajudá-las a encontrar o melhor caminho em direção à sua saúde, seja ela física, mental, espiritual ou social. No trajeto, no entanto, costumamos nos surpreender não com o resultado dos tratamentos ou procedimentos que propusemos, mas com o processo. Conhecendo o outro, abrimos espaço para conhecermos a nós mesmos, e criamos laços que envolvem os dois lados da mesa. No processo, tanto nossos pacientes quanto nós mesmos construímos um legado, e descobrimos a cada dia a diferença que fazemos nas vidas uns dos outros, nas vidas dos que nos cercam e – por que não? – no mundo ao nosso redor.

Ladd Bauer entendia profundamente o que esses laços e legados significam. Nascido nos Estados Unidos, médico de família e parceiro de Dennis McCullough (sim, o do lendário livro My Mother, Your Mother), ele escreveu o primeiro artigo sobre Slow Medicine publicado em língua inglesa, inaugurando uma nova fase do movimento slow no mundo. Mesmo enxergando com certo ceticismo as interpretações por vezes distorcidas que a Slow Medicine assumia em seu próprio país, sua crença no poder transformador de uma medicina sóbria, respeitosa e justa era inabalável, e ele passou a buscar seus pares em outros países, incluindo o Brasil. Com o início da era dos encontros virtuais que a pandemia inaugurou, a nossa relação se estreitou ainda mais. Com a humildade que lhe era peculiar, mesmo com a dificuldade de entendimento do nosso idioma, Ladd sempre fazia o possível para participar das reuniões e eventos, pouco importando a diferença de fuso horário. Sua presença entre nós só fazia aumentar nossa admiração e nos causava grande honra, emoção. Ele tinha a essência do ouvir em sua alma. Era  generoso ao compartilhar suas ideias, e respeitoso ao acolher as nossas Sua atitude reverente e cooperativa nos fez compreender, visceralmente, a força da colaboração mútua, das construções coletivas, das ideias amalgamadas. 

Há alguns dias, recebemos a notícia de sua morte. Ladd Bauer partiu da forma como acreditava ser digna: em casa, com sua família e sem sofrimento desnecessário. Foi embora com a mesma elegância e serenidade que tomavam conta dos ambientes em que ele estava. Mas a tristeza, mesmo assim, nos tomou o coração. Não por lamentarmos a morte, ou por nos apegarmos à vida quando ela precisa terminar. Tudo tem seu tempo, e o tempo dele terminou por aqui. Mas nos entristece a falta que seu sorriso irônico, suas palavras precisas e sua paciência interminável farão em nossas vidas. Nossos corações estão entristecidos, mas ainda assim nos sentimos privilegiados por tê-lo conhecido e partilhado das suas vivências. Talvez fosse esse o legado que estávamos construindo juntos nesses anos todos: o de que a Slow Medicine nos permite bem mais do que agregar um significado profundo no que fazemos junto aos nossos pacientes. Ela nos permite enxergar a nós mesmos nos olhares uns dos outros, como Ladd Bauer certamente enxergava.

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