Medicina Baseada em Evidências e Slow Medicine

outubro 13, 2021
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Por José Carlos Campos Velho:

“O homem sábio ajusta sua crença à evidência.”

David Hume

Richard Smith trabalhou no British Medical Journal por cerca de 25 anos, tendo sido seu editor por 14 anos. Em dezembro de 2012 ele escreveu um artigo clássico no BMJ onde  afirmava que a Slow Medicine era a melhor forma de medicina para o século 21. Já há muito vimos afirmando que a Medicina Baseada em Evidências (MBE) é o referencial teórico da Slow Medicine, conforme afirma um dos textos básicos (Fundamentos da Slow Medicine): “a Slow Medicine não se coloca contra o uso da tecnologia. Ao contrário, procura utilizar-se dela de maneira racional e apropriada, levando em consideração as evidências científicas atuais. Procura oferecer o melhor para aquele paciente em particular, respeitando seus valores e sua individualidade. De maneira sóbria, procura adotar a moderação, agindo de maneira gradual naquilo que é essencial – a busca de cuidados de qualidade, reconhecendo que fazer mais nem sempre significa fazer melhor”.

Ao longo dos últimos 2 anos, durante a Pandemia pelo Novo Coronavirus, a palavra evidência se espalhou na mídia e passou a fazer parte do vocabulário de jornalistas e do cidadão comum. Mas o que são evidências? De onde vem a medicina baseada em evidências? Um conceito de MBE é que “…a medicina baseada em evidências trata do uso consciencioso, explícito e judicioso das melhores evidências atuais na tomada de decisões para o atendimento de pacientes individuais. A prática da MBE significa integrar a experiência clínica individual com a melhores evidências clínicas disponíveis a partir de pesquisas sistemáticas.”

Para entendermos melhor o tema, trazemos um artigo que busca as suas raízes e a sua história , publicado no JAMA em janeiro de 2014, e procuramos compreender melhor onde a MBE se entrelaça com a Medicina sem Pressa. O artigo traz uma série de referências essenciais na construção da história da MBE  e tem nele incorporado um vídeo memorável , com a participação de  algumas pessoas que tiveram um papel fundamental na elaboração deste conceito – uma mesa redonda cuja coordenação é de Richard Smith. 

Archibald Cochrane teve um papel essencial no surgimento e na divulgação da medicina baseada em evidências. Sua riquíssima biografia e espírito inquisitivo o colocou em uma situação privilegiada para, em desenvolvendo um olhar crítico para a maneira como a prática médica era exercida, perceber que boa parte das condutas partiam de observações pessoais, onde a autoridade do médico muitas vezes tinha um peso maior na decisão clínica, do que a própria ciência. Conforme comenta  Antonio Stavrou , da Escola de Medicina da Universidade de Cardiff,  “…desde seus dias de estudante, Cochrane se preocupava com a falta de evidências científicas que corroborassem as intervenções médicas. Quanto mais praticava a medicina, suas preocupações aumentavam e se intensificavam com as várias experiências que teve. Em sua tentativa de curar os pacientes do campo que sofriam de tuberculose, alguns dos quais eram seus amigos, ele se preocupava em saber se não estava fazendo mais mal do que bem. Os conceitos de eficácia e eficiência na prática clínica estavam se tornando muito importantes para ele e o tornavam cético em relação a todos os tratamentos, mesmo aqueles bem estabelecidos e amplamente aceitos. Ele acreditava firmemente que nenhuma intervenção médica deveria ser realizada a menos que houvesse evidências que validassem sua eficácia e ele acreditava que uma abordagem mais cuidadosa, sistemática e com base científica para a prática clínica da medicina deveria governar as decisões clínicas.”

A colaboração Cochrane é uma homenagem a este pioneiro da MBE que atualmente está presente em vários países, inclusive no Brasil e que hoje pode ter um importante papel na prática médica, na medida em que as metanálises nela publicadas procuram trazer de forma isenta e sem conflitos de interesses as melhores evidências relativas às abordagens terapêuticas de diversos problemas clínicos.

O artigo cuja leitura é sugerida e o vídeo nele inserido abordam questões vitais que permitem um melhor entendimento dos preceitos da MBE e mostram sua proximidade com a filosofia e os princípios da Slow Medicine . A necessidade de compartilhamento de decisões, da ponderação acerca dos valores dos pacientes, a busca de uma ferramenta que seja aplicável à prática clínica diária – todas essas questões são abordadas trazendo a MBE para o cotidiano da prática médica.

Em um texto publicado originalmente no site da Associação Italiana de Slow Medicine, traduzido para o português pelo professor Dario Birolini, é sugerido que o profissional Slow “…pratica a Medicina Baseada em Evidências, entendida como a integração dos resultados da pesquisa clínica, com a experiência própria e com as exigências e os valores do paciente e das pessoas próximas a ele, com base na relação entre os benefícios, os riscos e as incertezas.”

Neste grave momento vivido pela humanidade, em que a polarização política leva à atitudes extremas, em que a negação da ciência e das boas práticas clínicas são expressadas de maneira irresponsável na mídia e nas redes sociais, é salutar reafirmar-se que o Movimento Slow Medicine coloca-se na defesa da boa prática médica, das melhores evidências científicas e do combate ao negacionismo e ao obscurantismo.

PS: a gravura que ilustra o post foi retirada do perfil do Twitter @PastMedHistory – Past Medical History

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José Carlos Campos Velho é médico geriatra e editor do site Slow Medicine Brasil.

1 comentário

  1. Adoro as matérias que o doutor e todos trazem; é de suma importância.

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