My Mother Your Mother: uma resenha

maio 1, 2019
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Por José Carlos Campos Velho

O livro de Denis McCullough, My Mother Your Mother, foi publicado em 2008. Pela primeira vez a expressão Slow Medicine era utilizada nos Estados Unidos da América, e trazia em seu bojo a proposição de um novo paradigma para a atenção médica. A publicação de seu livro  teve significativo impacto na mídia, sendo o autor convidado a conceder entrevistas na televisão; seu livro foi objeto de resenhas e citações na mídia americana. Uma das mais importantes resenhas, que tem valor histórico para o movimento Slow Medicine, foi publicada no Journal of Alternative and Complementary Medicine, cujo editor, na época, era Ladd Bauer. A resenha originou a publicação do editorial daquele número da revista, chamado “Slow Medicine”, o primeiro artigo em língua inglesa, indexado à Medline – o maior instrumento de busca e pesquisa médica na época. 

A resenha de Jacqueline C. Wootton explora com profundidade as ideias de Dennis McCullough em seu livro. O processo de envelhecimento populacional, hoje um fenômeno mundial, exige de médicos e profissionais de saúde uma outra postura frente às necessidades dos idosos, particularmente no que tange ao enfrentamento dos dilemas da assistência à saúde, tão frequentes nesta população.”Este livro gentil e sensível se contrapõe a uma abordagem radical e austera da medicina. Por um lado, é um livro voltado ao cidadão comum, recheado de conselhos práticos e sabedoria sobre as melhores maneiras de cuidar de nossos pais idosos em seus estágios finais da vida. Como um geriatra, Dennis McCullough passou mais de 30 anos desenvolvendo uma prática que combinasse a medicina convencional com uma abordagem holística, incluindo terapias alternativas quando apropriadas, e enfatizando a qualidade de vida para o paciente e toda a sua família”. O livro traz à luz inúmeras situações clínicas enfrentadas por Dennis McCullough ao longo de sua prática e tem como fio condutor da obra a vivência dos últimos anos de vida de sua mãe, Bertha, e os inúmeros percalços, sutilezas e desafios enfrentados para que seu final de vida fosse conduzido de forma serena e tranquila. McCullough chama este período de Late Life (a vida tardia). Jackie Wootton aponta para uma saudável mudança nos objetivos da atenção geriátrica, sugerindo sua reconfiguração em moldes diferentes da forma como eles vêm ocorrendo na medicina americana moderna. As instituições de saúde, em particular os hospitais, propõe uma atenção baseada em alta tecnologia, decisões rápidas, protocolos, diretrizes e algoritmos, e muitas vezes este tipo de abordagem não parece ser a mais adequada, em particular àqueles indivíduos nas fases mais avançadas da vida, fragilizados,com sua autonomia e independência comprometidas, em geral envolvidos numa progressiva dependência de atenção e cuidados de outrem. Crises médicas nestas situações frequentemente significam atendimentos de urgência em pronto socorros, onde esses idosos fragilizados são avaliados por médicos atarefados e apressados, presos à um sistema que valoriza protocolos mais do que o raciocínio clínico, que pouco os conhecem e acabam por criar um cenário onde o idoso pode ter desrespeitados seus desejos e valores  e não ter suas verdadeiras necessidades atendidas. Sabemos que os últimos anos de vida consomem boa parte dos recursos em saúde e frequentemente esses recursos são utilizados de maneira pouco racional. Além do enorme custo financeiro desse tipo de atitude, os idosos acabam enfrentando ambientes que lhes são hostis, e são submetidos a procedimentos e tratamentos que pouco contribuem para melhorar a sua qualidade de vida. Uma atitude mais compassiva, que usasse o bom senso e procurasse cultivar uma postura antecipatória na perspectiva de evitar estas crises ou, por outro lado, oferecendo ferramentas para que elas fossem melhor manejadas quando ocorressem, seriam condutas muito bem-vindas . A discussão do uso de medicamentos, que talvez tenham sido essenciais em outros momentos da vida, mas que na velhice tardia perdem sua importância é outro ponto fulcral – a prática da desprescrição. Jackie salienta a relevância da formação de círculos de cuidados aos idosos,  constituídos por seus familiares, amigos, médicos e profissionais de saúde. “Podem haver benefícios consideráveis se os membros da família acompanharem os pais nas visitas ao consultório médico, para discutir vantagens  e desvantagens da manutenção de determinados de medicamentos, por exemplo, remédios para colesterol ou hipertensão, que eram importantes por volta dos 75 anos, mas de utilidade duvidosa uma década ou mais depois. Os médicos, por sua vez, precisam aceitar e receber de bom grado uma discussão mais aprofundada junto ao pacientes e seus cuidadores, compartilhando decisões, como por exemplo, àquelas que tangem ao final de vida, que têm repercussões muito além do indivíduo, afetando toda a família e equipe de cuidadores. Encontrar o nível apropriado de cuidado àquele indivíduo em particular requer tempo e esforço da equipe. Estes círculos de cuidado, centrados na família, são fundamentais no conceito de McCullough para a atenção aos idosos.”

“Envelhecer é um estágio da vida e não uma doença”, afirma Jackie Wootton. Uma pressão ligeiramente acima do normal, leves elevações da glicemia, desgastes articulares, certo declínio na memória podem fazer parte da velhice. A ânsia em proceder-se a diagnósticos nestas situações – como hipertensão, diabetes e Doença de Alzheimer, frequentemente acaba levando à investigações extensas e à prescrição de medicamentos eventualmente pouco efetivos, não tão bem tolerados, havendo sempre um risco de reações adversas e interações medicamentosas, muito prevalentes nestas faixas etárias.  Dennis McCullough acreditava que as práticas integrativas e as alternativas não-farmacológicas poderiam configurar maneiras de zelar pelo idoso, desde que adequadamente indicadas,  em contraposição ao uso excessivo de fármacos como  abordagem predominante dos achaques e sofrimentos da velhice.

A resenha finaliza com estas palavras: “No entanto, (… a Slow Medicine) não é, nas palavras do autor, ‘um retorno nostálgico a um passado romântico e imaginário’. A ideia e a prática da Slow Medicine voltada aos idosos, pode abrir novos caminhos para uma abordagem integral e apropriada em medicina, não só na velhice, mas em todos os estágios da vida, do berço ao túmulo.”

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O quadro que ilustra o post é American Gothic , uma pintura de Grant Wood da coleção do Art Institute of Chicago.

PS: Temos à disposição o artigo original. Caso você tenha interesse, entre em contato conosco no email [email protected] , que enviaremos uma cópia. Por questões de direitos autorais, não podemos disponibilizar o artigo no site.

2 Comentários

  1. Acredito que “cuidado consciente” embarca o que muitos de nós estamos observando.
    Permeando tudo, envolvendo todas as áreas da medicina (na verdade, não só medicina, mas aqui é crucial).
    Já vejo assim há muito tempo, muito embora, em muitas situações, surpreendo-me no automático. Afinal de contas eu também sou humana ( mas eu me perdôo e recomeço).
    Meus pais adoeceram e morreram. Eu adoeci na adolescência (e eu amei a equipe que cuidou de mim, em várias internações). Passei a enxergar hospitais e equipes de saúde como “algo que te ajuda quando naturalmente você adoece”. Tanto que fiz medicina e neurologia.
    A residência me apavorou. E como para outros, quase que fiquei inimiga dos pacientes e da profissão. Mas o tempo e o relacionamento com os pacientes mudaram minha perspectiva. Abri-me ao aprendizado. E hoje, os mecanismos de defesa não ne pegam muito. E quando me pegam, volto logo à consciência.
    Estamos num movimento embrionário de aparente contra-fluxo. Mas não vai demorar muito e pessoas que cuidam das outras de forma consciente serão maioria.

  2. Na fase da vida da velhice, este é o olhar que quero pra mim. Um olhar sensível capaz de me acompanhar com delicadeza.
    Zé Carlos , obrigada mais uma vez por me fazer descobrir essa bela obra.

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