O médico do futuro

junho 25, 2022
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“O médico do futuro não prescreverá medicamentos, mas instruirá os pacientes sobre os cuidados com o corpo, sobre a dieta e sobre a causa e prevenção de doenças”. 

                                                                                  Thomas Edison, 1903

Por Régis Vieira

O graduando de medicina, que hoje inicia sua jornada, já recebe desde o primeiro dia de aula um manual da nova era da medicina – como se tornar um médico do futuro. “Você precisa estar conectado aos avanços tecnológicos, a medicina caminha para encurtar distâncias e a telemedicina e atendimentos remotos são apenas o começo. O médico velho será substituído por atualizados ou, quem sabe, até por máquinas. Você vai precisar ir além dos conceitos da Saúde Baseada em Evidências. Vai precisar gerar, consumir e esmiuçar dados o tempo todo. Não veremos mais as rodas das novidades sendo mudadas a cada ano, e sim uma avalanche de atualização imprevisível.” Os alunos, atentos e empolgados, continuam com olhos brilhando diante de tantas novidades.

Pois bem, permita-me dar um pulo no futuro, como bom mineiro, para alertá-los que o médico do futuro ainda precisará (e muito) do passado. Aqui, no futuro, ainda vejo pacientes imersos em suas aflições, o silêncio do sofrimento invadindo as salas e corredores todos os dias, e os olhares diuturnos de incerteza e de angústia. Nada disso mudou muito. As relações humanas continuam dando o tom por aqui e, – pasmem! –ainda recomendamos mudanças complexas na forma de pensar como estratégia essencial para a prevenção de condições de saúde. Também o olhar atento, o toque, as relações com colegas ainda continuam bem-vindos e, para ser honesto, me parecem ainda mais fundamentais hoje do que imaginamos aí no passado. No futuro, nem se fala mais em trabalhar em equipe, porque tornou-se um pleonasmo. O médico que trabalha sozinho é obsoleto ou, na melhor das hipóteses, um cara meio difícil de se lidar.

O médico do futuro volta a ser mais generalista, prioriza processos, relações humanas, busca o compartilhamento de decisões frente a um indivíduo que quebrou o monopólio do livro texto e agora encontra, com facilidade, recomendações específicas para o seu sofrimento. Mas sabe o que mais me chamou a atenção no futuro? Vou contar para você (leia com os olhos, pode ser uma dica infalível para seu sonho): o paciente ainda escolhe o profissional que o respeita e que considera seus valores de vida para decidirem juntos. 

O médico do futuro vive o dilema de novas doenças, raras, pandêmicas, sem respostas, e ouço muito uma frase: “não sei”. Ele precisa conhecer as novas redes sociais, saber o que elas fazem e como funcionam, se embrenhar nelas como um desbravador de novos mundos. “Como conseguirei conversar com meu público se for alienado a tudo isso?”, escutei de um professor aqui. Angustiado, ele se lembra de já ter escutado sobre a desconfiança de seus antecessores quando o rádio, a televisão e as revistas surgiram, e até mesmo quando a novidade da vez era a internet. O médico do passado também assistia pedaços de novela, das quais às vezes nem gostava, somente para ter como abrir uma conversa, quebrar um gelo numa consulta difícil. O do futuro vai fazer exatamente o mesmo com o que é novo, sem precedentes: vai se aventurar em games, lives, metaverso, e qualquer outro mundo recém-descoberto no qual seus pacientes habitam. E está tudo bem, tudo certo. Já dizia Milton Nascimento (que continua sendo ouvido e citado por aqui!): “Todo artista tem de ir aonde o povo está.”

Mas o curioso dessa minha viagem no tempo foi que detectei que, para os bons médicos do futuro, presente e passado continuam iguais em algumas premissas. Vou compartilhar este “segredo” com vocês, sobretudo graduandos, para que guardem bem do lado esquerdo do peito (olha o Milton aí de novo…): os bons médicos, de qualquer tempo ou geração, são eternamente curiosos, se interessam verdadeiramente pelas pessoas, nunca deixam de estudar seus casos e sabem que, sozinhos, não chegam a lugar nenhum.


Regis Rodrigues Vieira: Sou natural de Aiuruoca no Sul de Minas, terra linda, permeada pela Serra da Mantiqueira no qual sou médico de família em um território Rural. Médico de Família e Comunidade, mestre em Ensino na Saúde pela UFF, Doutorando em Saúde Baseada em Evidências pela Unifesp. Professor da Pós Graduação em Medicina de Família e Comunidade do Hospital Israelita Albert Einstein.

4 Comentários

  1. Que tenhamos mais médicos ouvintes e mais preocupados no cuidado como um todo e não apenas em receitar um medicamento pra se livrar do paciente rápido…

  2. Obrigado pelo feedback e contrinuição, Alex.

  3. Parabéns pela reflexão!
    Lendo o seu texto, me lembrei de um editorial da Nature Medicine que saiu há alguns anos atrás, especulando como seria a medicina daqui a 25 anos (https://www.nature.com/articles/s41591-019-0693-y). Vários especialistas deram suas opniões em futurologia, especulando sobre o papel da genômica (tanto no diagnóstico e terapia) e inteligência artificial na prevenção e tratamento de doenças. Impressionante que ninguém citou os valores tradicionais da medicina do passado e do presente, que devem ser sempre lembrados em nosso dia-a-dia.

    • Obrigado por partilhar, Alex Freire.

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