Resiliência, persistência e perseverança

maio 14, 2018
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Por José Carlos Campos Velho:

“Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha.”

Confúcio

Vivemos tempos bicudos. Parece que a expressão foi usada pela primeira vez pelo nosso poeta maior Mario Quintana, em uma carta para sua sobrinha Elena Quintana: “Não vás pensar que eu estou louco por dinheiro! Quem é que não está, nestes tempos bicudos? Nem isso vai contra o meu consabido idealismo: o dinheiro ajuda muito os ideais”. O materialismo explícito de nossos dias, mesmo travestido de profunda espiritualidade nas redes sociais – sim, pois a espiritualidade é humilde, é introspectiva, e voltada ao outro, eivada de empatia e compaixão, e o narcisismo digital hoje abundante, explora a espiritualidade de forma ostensiva. Frequentemente uma jornada espiritual, uma busca do significado da existência…. na procura de quem somos, de onde viemos, para onde vamos…. algo  humano, demasiado humano, e louvável – é alardeada nas redes sociais de forma imediata e pletórica, porventura até diminuindo a densidade e a consistência do processo.

De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?, 1897, Museu de Belas Artes de Boston

Afirma Carl Honoré em seu livro Devagar : “Precisamos então definir aqui o nosso propósito. Neste livro, Depressa e Devagar não se limitam a definir uma alternativa. Remetem também a maneiras de ser, ou filosofias de vida. Depressa é agitado, controlador, agressivo, apressado, analítico, estressado, superficial, impaciente, ativo, quantidade-mais-que-qualidade. Devagar é o oposto: calmo, cuidadoso, receptivo, tranquilo, intuitivo, sereno, paciente, reflexivo, qualidade-mais-que-quantidade. É uma questão de estabelecer ligações reais e significativas, com pessoas, a cultura, o trabalho, a comida, tudo. O paradoxo é que Devagar nem sempre quer dizer devagar. Como veremos, desempenhar uma tarefa Devagar frequentemente produz resultados mais rápidos. Também é possível fazer as coisas com rapidez, mas mantendo Devagar o estado de espírito”.

E desta maneira tem caminhado o Movimento Slow Medicine no Brasil: sem pressa. Necessário nos parece, para que a consistência e a fidedignidade de nossas propostas sejam condizentes como os princípios de uma Medicina Sóbria, Respeitosa e Justa, que mantenhamos a moderação no que tange à exposição de nossas ideias na mídia. Sua divulgação é vital para nossa sobrevivência; acreditamos que o que representamos é uma filosofia de trabalho para a prática cotidiana dos profissionais de saúde e um conjunto de princípios, quase uma representação espiritual, se entendermos espiritualidade como a maneira que, horizontalmente, nos relacionamos uns com os outros. Princípios estes que envolvem o tempo, a individualização do cuidado, o compartilhamento de decisões, a segurança (“primun non nocere”), a compaixão. Princípios em que todos estamos mergulhados ao  estabelecer uma relação com o outro: “uma medicina sóbria implica a capacidade de agir com moderação, de forma gradual e essencial; uma medicina respeitosa acolhe e leva em consideração os valores , as preferências e as orientações do outro em cada momento de sua vida; encoraja uma comunicação honesta, cuidadosa e completa com os pacientes. Os profissionais de saúde agem com atenção, equilíbrio e educação.”

Reafirmamos que a Slow Medicine não é um produto à venda, um modelo de negócio ou uma especialidade a ser implantada. É uma maneira de estar no mundo, um estado de espírito, uma caixa de ferramentas que permitem, trabalhando em estreita colaboração com outras iniciativas semelhantes, a necessária mudança de paradigma na atenção à saúde. Trazendo de volta ao centro do cuidado a pessoa e combatendo a crescente mercantilização da atenção à saúde, frequentemente tratada como uma mercadoria, com foco no lucro.

Por isso, as palavras de ordem são resiliência, persistência e perseverança. Acreditamos que elas expressam que, aquilo que almejamos obter, só será alcançado com um trabalho cotidiano, resignado e constante. Mudanças culturais levam tempo para acontecer.

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Ao longo dos últimos meses tivemos algumas inserções importantes na mídia. Uma entrevista com o geriatra José Carlos Aquino de Campos Velho foi publicada no portal da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, explorando conceitualmente e historicamente o Movimento Slow Medicine e os entrelaçamentos entre a prática da Medicina de Família e os princípios da Medicina sem Pressa, inclusive sobre sua aplicabilidade no sistema público de saúde.
Matéria no portal Ribeirão Sul, de Ribeirão Preto, SP, entrevistou o dr. Yussif  Ali Mere Jr, presidente do SINDIRIBEIRAO, que falou sobre Slow Medicine e a humanização do cuidado médico. O dr. Yussif teve um papel importante no ano passado, na organização do congresso da Fehoesp, o evento Conecta Saúde, que contou com a presença de Marco Bobbio.
Somos muito gratos ao Dr. Paulo Rosembaum, médico e escritor, que nos agraciou com uma belíssima matéria em seu blog no jornal O Estado de São PauloNa matéria, ele afirma que  “cresce pelo mundo a ideia de Slow Medicine, (ou medicina com timing) a saber, uma prática que tenta ser mais cuidadosa e menos intervencionista no manejo terapêutico. Isso significa menor grau de “overdiagnosis” ou em tradução livre “superdiagnosticos”, os quais, não infrequentemente, conduzem à práticas e tratamentos invasivos desnecessários, ou, que fazem os pacientes sofrerem riscos aos quais eles não necessariamente precisariam ser submetidos. Considerando que a epidemiologia clínica consiste em colocar numa balança, de um lado o que protege, e, de outro, o que expõe o paciente aos riscos, essa conduta  pode ser a mais racional e adequada para os nossos dias.”
Por fim, nosso mestre e mentor, o Professor Dario Birolini foi entrevistado pelo programa Espaço Livre, na TV Câmara de São Paulo, onde ele defende suas ideias sobre o Movimento Slow Medicine e a prática da Medicina.  Pontuando o relacionamento médico-paciente como o fulcro da atividade médica, questiona o uso excessivo da tecnologia diagnóstica e a necessidade de uma racionalização nas abordagens terapêuticas, em particular em relação ao uso indiscriminado e mesmo temerário de múltiplos fármacos, na situação conhecida como Polifarmácia, muitas vezes deletéria aos idosos, e critica o processo de medicalização da vida moderna. A entrevista pode ser encontrada na íntegra em nosso Canal no YouTube.

 

 

 

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