Sem Causar Mal: Histórias de vida, morte e neurocirurgia 

outubro 25, 2023
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Por: José Carlos Campos Velho

“Sabe qual é a diferença entre Deus e um neurocirurgião?  

É que Deus sabe que não é neurocirurgião.” 

Essa é uma piada corrente nas faculdades de Medicina e nos hospitais. De fato, a neurocirurgia é uma especialidade para poucos: o treinamento do neurocirurgião é um dos mais longos da Medicina e, mesmo depois de terminada sua formação, ele ainda precisa galgar vários degraus para finalmente ter independência em seu trabalho. A formação dos cirurgiões tende a ser mais rígida, tanto do ponto de vista intelectual, quanto do ponto de vista hierárquico. A formação do clínico costuma ser mais flexível e talvez possamos afirmar que menos estressante. Tive o privilégio de conviver com neurocirurgiões ao longo de minha carreira e estabelecer com eles relações de colaboração e camaradagem. Os neurocirurgiões são médicos muito fiéis: a seus mestres, aos seus colegas, aos pacientes e também aos clínicos que eles escolhem como seus parceiros no cuidado aos seus doentes. E desfrutar da confiança dos neurocirurgiões é um privilégio, pois na troca de saberes e conhecimentos que se estabelece, o crescimento pessoal e profissional que esta convivência proporciona é inquestionável. Os neurocirurgiões tendem a ser perfeccionistas em seu trabalho, detalhistas – como se pode imaginar, eles também esperam do clínico que acompanha seus pacientes o mesmo grau de cuidado e atenção aos pequenos detalhes. 

Um neurocirurgião narra suas estórias

Henry Marsh é um neurocirurgião que resolveu contar sua história e suas estórias em um livro cujo título remete ao 8° princípio da Slow Medicine, segurança em primeiro lugar: “lembre-se do juramento de Hipócrates : Primum non nocere et in dubio abstine. Em primeiro lugar não causar o mal. Em dúvida, abstenha-se de intervir.” O livro Sem Causar Mal é de uma leitura cativante e leve, não obstante os assuntos extremamente sérios e eventualmente trágicos que são descritos na forma de casos clínicos. Cada capítulo é o nome de uma moléstia cuja abordagem é neurocirúrgica.  E Henry Marsh é um excelente contador de estórias e um observador arguto de seu cotidiano. Em sua prosa macia, vai nos contando sua vida e sua atuação como médico. Henry Marsh é uma pessoa humilde – pelo menos é o que sentimos ao ler cada página de seu livro. Coloca-se fundamentalmente como um ser humano comum: cuida do seu jardim, vai para o hospital de bicicleta, irrita-se com os colegas, com o hospital, com o sistema de assistência médica, leva sustos e vive às turras, afetuosamente, com sua secretária, que vai amontoando papéis e relatórios a serem preenchidos sobre sua mesa, enquanto sorri disfarçadamente. Henry Marsh conta também suas viagens à Ucrânia, um país onde a Neurocirurgia ainda engatinha e onde ele voluntariamente divide sua experiência e conhecimento com os médicos do país eslavo. 

Um médico londrino

Henry Marsh vive em Londres e nasceu nas proximidades de Oxford. É casado pela segunda vez e pai de 2 filhos. Por seu talento como médico e suas atitudes humanitárias tornou-se uma personalidade na mídia inglesa, recebendo condecorações e sendo tema de documentários e entrevistas. Recentemente teve o diagnóstico de câncer de próstata avançado, que felizmente encontra-se em remissão. Marsh é o patrono da organização  My Death My Decision, que busca uma abordagem mais compassiva para a morte no Reino Unido, tocando inclusive a questão do direito legal de uma morte assistida, se este for o desejo duradouro da pessoa. É uma obra que vale a pena ser lida, pois é como se explorássemos um mundo diferente e intrigante, tendo como guia um mestre habituado a caminhar naquelas paragens. 

José Carlos Campos Velho é médico geriatra e clínico geral e editor do site Slow Medicine Brasil.

3 Comentários

  1. Muito bom! 
    Tratar primeiro o paciente com suas particularidades. 
    Ouvir seus desejos, problemas e dificuldades, com tempo para tomar as decisões personalizadas 👏🏻👏🏻
    Pode ser difícil indicar uma intervenção mas, por vezes também é difícil não intervir. Grande responsabilidade . 
    Os médicos cuidam das questões / problemas mais importantes para o indivíduo, seu corpo que porta o seu Eu / sua Alma e são indivisíveis. 

  2. Realmente, a neurocirurgia só é escolhida por profissionais que mais se destacaram como estudantes. Um amigo íntimo que já se foi, neurocirurgião, João Teixeira Pinto, Assistente da Neurologa, na USP, era brilhante na especialidade.

  3. Eu fui atendido por um cirurgião que na dúvida não interviu e me preservou. Isso há mais de 40 anos. Obrigado Dr Guilherme Cabral.

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