Uma mulher jovem com excesso de cálcio

junho 29, 2019
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Por Ana Lucia Coradazzi:

Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão.

Confúcio

VERSÃO FAST
GF, sexo feminino, 42 anos, procura atendimento médico devido náuseas e vômitos há dois meses, com comprometimento importante da ingesta alimentar e consequente perda de 10 kg. Não apresentava outras queixas. Relatava ser hipertensa, em uso de losartana e hidroclorotiazida, sem outras comorbidades. Não apresentava alterações significativas ao exame físico.
O médico solicita exames, que mostram disfunção renal (creatinina = 2,5 mg/dl e ureia = 90 mg/dl) e hipercalcemia (cálcio corrigido pela albumina = 20 mg/dl). 
GF é então hospitalizada para correção dos níveis alarmantes de cálcio. Inicia hidratação endovenosa, com redução do cálcio para 12.6 mg/dl, mas sem melhora da função renal. O médico a encaminha então para avaliação do hematologista com a hipótese de mieloma múltiplo. O hematologista revê seus exames, entre os quais constava uma dosagem sérica de vitamina D de 150 ng/ml e paratormônio = 5.0 mg/dl. Ao ser questionada, lembrou-se de que vinha fazendo uso de suplementação com vitamina D (manipulada) há 4 meses, tendo recebido a dose de 50.000 UI por semana por 8 semanas e depois 7.000 UI por semana. A suplementação tinha sido indicada por sua ginecologista após resultado de uma dosagem sérica de vitamina D = 19.9 ng/ml. Foi então feito diagnóstico de hipervitaminose D iatrogênica, que levou à hipercalcemia e comprometimento da função renal. Após hidratação vigorosa, suspensão da suplementação vitamínica e início de corticoterapia, a paciente apresenta melhora parcial da hipercalcemia e da função renal, recebendo alta hospitalar com orientação de hiperidratação oral, restrição da ingesta de vitamina D alimentar e retorno em uma semana para novos exames.

VERSÃO SLOW
GF, sexo feminino, 42 anos, procura sua ginecologista para exames preventivos de rotina. É realizado exame ginecológico e coleta de citologia oncótica, ambos normais. Diante da ausência de qualquer queixa, não são solicitados exames laboratoriais. A paciente questiona sua médica sobre a vitamina D, pois ouviu dizer que é importante receber suplementação para prevenir osteoporose. A paciente é orientada pela médica, que explica que a suplementação só tem benefícios comprovados em pessoas de alto risco (grupo no qual ela não se enquadra), e por este motivo não é necessário que ela faça um exame para dosar a vitamina. Explica ainda que a melhor estratégia para prevenção de osteoporose no caso dela é manter atividades físicas regulares e uma dieta saudável, rica em peixes como salmão, atum e alimentos ricos em cálcio e vitamina D.

A Vitamina D e o Sol

FAST VERSUS SLOW:
A crença de que o uso de vitaminas é inócuo e portanto pode ser prescrito para qualquer paciente é não apenas inverídica como também perigosa. O próprio rastreamento de hipovitaminoses em pacientes que não se encontram no grupo de risco não é recomendável pelas principais diretrizes relacionadas ao tema, justamente pela ausência de evidências de benefício da suplementação vitamínica nessas populações, com possibilidade de danos severos (como observado no caso descrito acima). A visão da Slow Medicine a respeito do papel de estratégias de rastreamento e prevenção é bastante clara: são ótimas estratégias quando aplicadas à população que realmente se beneficiará delas (grupos de risco), mas podem ser catastróficas se utilizadas de forma generalizada e sem critério.

Você pode obter mais informações no link abaixo:

Vitamina D: sem pressa de prescrever

*agradecimento aos colegas Rafael Gaiolla e Suzana Vieira pelo auxílio na descrição deste caso.

2 Comentários

  1. It is a pleasure (and great honour) to receive your very relevant comment in this post, Dr. Bauer. We have seen a number of problems related to high dose vitamin D supplementation in Brazil (fortunately, not so severe as this). Thank you!

  2. Once, an alternative practitioner on being introduced to me as a physician, began an attack on my profession, based on what he presumed to be my lack of knowledge of the need for vitamin D in most people. Meaning to further criticize my choice of occupation, he later separately told the story of his elbow surgery a few years before, which had resulted in something the evil surgeon had not warned him about, calcifications in muscles around the joint. I asked him if it had ever occurred to him that his own high-dose supplementation with vitamin D had caused the calcifications…. Rumor has it that this gentleman is now running fishing tours in Hawaii instead of practicing his former specialty here in California. My point is not to say that alternative practitioners are wrong, but that anyone can exhibit “fast medicine” thinking in the wrong place, to the harm of patients. Thank you dra. Coradazzi for this case report.

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