Artrose de joelho: uma abordagem voltada para a saúde integral do paciente

dezembro 4, 2017
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Por Alessandro Monterroso Felix:

Neste texto vamos apresentar um esboço sobre o que é a artrose primária de joelho, mostrando as alternativas mais utilizadas para o tratamento, e sua validade, conforme consenso científico, com uma visão pessoal do especialista, focada no paciente.

É importante definir que a artrose primária de joelho, ou gonartrose primária, é uma doença degenerativa, relacionada ao desgaste natural da articulação, podendo causar dor e limitação funcional, mas em seus estágios iniciais de desgaste, a degeneração pode existir sem que haja dor ou alteração da função motora. Existem várias causas que podem levar a degeneração articular e diversos graus de evolução; desde doenças reumatológicas a sequelas de lesões, ocasionadas por traumatismos antigos. Vamos focar na doença relacionada a um desgaste natural, todavia alguns conceitos podem ser transferidos a pacientes com a artrose chamada secundária.

O desgaste articular é uma condição intrínseca da nossa natureza impermanente. Todos sofreremos o desgaste das nossas articulações ao longo de nossas vidas. Nosso apego em manter uma condição articular “juvenil” pode justificar, de certa forma, a proliferação de terapias que não apresentam tanto substrato de evidência científica. De fato, pacientes submetidos a quaisquer tratamentos mais invasivos e dolorosos, tendem a se dedicar mais aos processos de reabilitação e seguem melhor as orientações, o que produz um grande viés favorável para os bons resultados desses tratamentos.

Os principais fatores que definem o quanto uma articulação sofrerá com o fenômeno degenerativo são: como utilizamos e sobrecarregamos nossa articulação, ao longo da nossa vida, quão forte e equilibrada é a musculatura em torno desta articulação e a hereditariedade que pode predispor uma articulação mais longeva ou que sofrerá com desgaste mais precoce. Assim, como veremos adiante, é possível entender os métodos mais efetivos para prevenir e tratar o desgaste articular.

Apesar da degeneração articular acontecer de forma linear e progressiva com o passar dos anos, a artrose não é retilínea quanto aos sintomas. É mais comum o aparecimento de crises de dor, que se sucedem de longos períodos sem queixas, até sua próxima crise e com a progressão da doença, essas crises tendem a se tornar mais frequentes e intensas. Esses longos períodos de poucos sintomas, entre as primeiras crises, também explicam a popularidade de tratamentos com pouco suporte científico.

Outra questão, é o que definimos como reserva funcional da articulação, que é uma variável, relacionada de forma direta, a quantidade de força e equilíbrio muscular e de maneira indireta, ao grau de desgaste da junta. A reserva funcional articular é o quanto de sobrecarga uma junta poderia suportar, antes que se possa desencadear uma crise de dor. Como consequência torna-se compreensível a percepção de que atividades que no passado eram executadas confortavelmente, já não são mais possíveis sem dor, no momento presente. A força e equilíbrio muscular são variáveis importantes da reserva funcional e devem ser consideradas no tratamento, visando proporcionar ao paciente uma forma de retomar suas atividades usuais.

É frequente, no consultório ortopédico, uma abordagem cada vez mais “sub especializada”: temos o especialista de mão, ombro, joelhos, quadris, coluna e etc… O foco, muitas vezes, deixa de ser o paciente. A doença degenerativa primária, é um fenômeno global, inerente a senescência e mais importante que a visão voltada somente para o joelho é entender as demandas e necessidades dos pacientes; pensar na mecânica ósteo articular como um todo e orientar quanto aos princípios do tratamento, pensando sempre no ganho principal da qualidade de vida.

Contribuir para o auto entendimento facilita a internalização de muitas mudanças que poderão ser necessárias. De fato, as terapias com melhores resultados são aquelas que buscam, à luz do esclarecimento, centrar no indivíduo, de forma assistida, as decisões do tratamento.

É imprescindível, saber em detalhes, quaisquer tratamentos médicos que o paciente faça ou já tenha feito. O exame físico é parte importante da consulta: avaliar a condição muscular, nutricional, calor, inflamação, inchaço, localização da dor e aplicar os testes específicos; tem um papel, na maior parte das vezes, mais importante que os exames de imagem para estabelecer uma abordagem inicial. Não é incomum, a avaliação ser completamente baseada no laudo de uma ressonância, ou na imagem de uma radiografia e até se criar uma condição de estigma, chegando-se a indicar cirurgias baseados somente nos relatórios dos exames.

A idéia central de tratamento não visa “rejuvenescer” a articulação e sim, buscar a compensação na crise de dor e evitar a progressão da degeneração articular. Para o tratamento e prevenção das crises de dor, primeiramente, é preciso entender o que efetivamente pode promover dor no joelho.

Excluindo-se as causas de dor que tem sua origem em desbalanços bioquímicos cerebrais, ou de alterações dos nervos periféricos, basicamente, existem duas causas de dor, relacionadas a estruturas intrínsecas da articulação.

A primeira é de origem puramente mecânica e envolve a sobrecarga, por micro-traumatismos ou movimentos de repetição, de estruturas como ligamentos, tendões e do osso subcondral (tecido ósseo que fica abaixo da cartilagem servindo de sustentação) e tem receptores sensitivos de dor. Com a evolução da doença degenerativa, existe um afilamento da superfície de cartilagem, aumentando a exposição e diminuindo a capacidade de amortecimento de impacto, para este osso subcondral.

De maneira ilustrativa, imagine uma torneira gotejando em um copo. Em algum momento aquelas pequenas gotas levarão o copo ao transbordamento, sem que isso, no entanto, exija um grande fluxo de água. Neste caso, aquele copo não estava vazio e de repente transbordou. Ou seja, a doença degenerativa é uma somatória de situações que culminam em um processo gradual e que, em algum momento, poderá gerar dor. Nesse aspecto, podemos dizer que, muitas vezes, não se identifica, tão pouco, qual foi a gota que levou o copo ao transbordamento, porém o principio do tratamento é enxugar aquela água derramada, tentar fechar a torneira e buscar meios para elevar a borda do copo, evitando novo extravasamento.

Logo, torna-se mais simples entender o porquê, de o sobrepeso e a obesidade serem os principais fatores de risco para a gonartrose, e primordialmente, dar ênfase ao fato, apontado por alguns estudos, que a simples medida de redução do peso de apenas 10%, é suficiente para melhora duradoura dos sintomas.

As articulações denominadas sinoviais, como a do joelho, são formadas por superfícies perfeitamente lisas de cartilagem, que deslizam entre si de forma harmônica e congruente, embebidas por uma pequena lâmina de um liquido lubrificante, denominado liquido sinovial, permitindo o movimento. Este liquido fica “encapsulado” na junta, ele é produzido e purificado pelo tecido que reveste essa capsula, que é denominado sinóvia. Esse liquido também é o responsável pela nutrição dos tecidos de cartilagem, uma vez que não existe aporte sanguíneo direto. No caso dos joelhos, existem duas estruturas de um tecido um pouco mais elástico que a cartilagem, os chamados meniscos, que tem papel de aumentar e melhorar a congruência entre as superfícies condrais (referência ao tecido da cartilagem), agregando estabilidade e funcionando como um amortecedor para diminuir o impacto. Os meniscos são as primeiras estruturas a apresentarem sinais de degeneração no joelho, contudo tem pouca sensibilidade dolorosa, que é restrita a sua porção mais periférica e quando já existem sinais de degeneração presentes nas radiografias simples é certo que encontremos sinais degenerativos nos meniscos, sem que esta seja a causa da dor, dispensando-se a necessidade de realizar uma ressonância magnética, para introduzir o tratamento adequado.

Muitas vezes, atribui-se a dor a lesões degenerativas do menisco, quando na verdade esta são a expressão do processo progressivo de degeneração articular, relacionado a sobrecarga mecânica, que certamente é a verdadeira causa de dor. Outro erro comum é atribuir o mal a outro achado secundário ao processo degenerativo, o chamado cisto de Baker, este na verdade, aparece como consequência do movimento que levou ao desgaste, sem que no entanto, seja causa direta de dor. Sob um ponto de vista de um tratamento menos invasivo, tratar uma lesão degenerativa de menisco com uma artroscopia, por exemplo, com a finalidade de retirar a parte lesada, a depender do caso, é desnecessário, podendo inclusive acelerar a evolução da degradação. Igualmente, essas lesões por desgaste, tem pouco potencial para reparo, limitando as indicações cirúrgicas de ressecção somente para as lesões instáveis ou com fragmentos livres.

Aqui temos o grande paradoxo do tratamento: como diminuir a sobrecarga da articulação se o paciente precisa manter ou ganhar força e equilíbrio muscular para a proteção da junta? Neste caso, a cirurgia pode parecer uma alternativa mais resolutiva, ainda mais que o paciente acometido pelo desconforto inicial do pós operatório imediato, tende a ser mais cuidadoso com a terapia, repousando mais o seu membro, tendo uma aderência maior ao uso de tutores como bengalas e muletas e se dedicando mais aos exercícios da reabilitação muscular.

Além das causas mecânicas de dor, outra causa bem identificada de dor é a inflamação da sinóvia. A cartilagem, quando sobrecarregada, libera pequenos fragmentos e substâncias que causam inflamação e se difundem no líquido sinovial, inflamando a sinóvia que deixa de produzir um líquido sinovial de qualidade, conjecturando um ciclo inflamatório vicioso.

Nessa condição, o chamado “toilet artroscópico”, lavando com soro a cavidade articular, retirando os micro-fragmentos de cartilagem e o líquido sinovial inflamatório, acaba sendo bastante efetivo para a melhora rápida dos sintomas, entretanto a melhora não é definitiva e outras medidas, menos invasivas, são tão eficazes quanto a cirurgia, evitando submeter o paciente a um eventual risco cirúrgico, que mesmo sendo pequeno, não deve ser desconsiderado. Sob esta retórica, vemos que, qualquer tratamento que vise diminuir a sinovite e a dor, deve ser encarado como uma janela de oportunidade de melhora do processo inflamatório para a reabilitação física.

Aqui cabe mencionar as terapias que prometem reestabelecer a cartilagem perdida. Ainda não existe tratamento que se prove eficaz a reestabelecer a qualidade e quantidade de tecido de cartilagem. Em sua maioria, esses tratamentos parecem ter alguma ação no processo inflamatório sinovial, diminuindo momentaneamente a dor. Um bom exemplo disso é a infiltração com plasma rico em plaquetas (PRP). Não existe nenhuma evidência que demonstre que este tipo de tratamento melhore a longevidade articular. Cabe ainda, a ressalva de que a grande manipulação dos derivados do sangue aumenta eventuais riscos de complicações. Trata-se de uma técnica que parece apresentar melhora da inflamação. Entretanto, existe grande variedade nas formas para se obter e aplicar o plasma rico em plaquetas. Acredita-se que as técnicas que concentram o número de plaquetas em mais de 5 vezes do basal encontrado no sangue são as mais efetivas e não são estes os métodos mais difundidos na realidade brasileira.

Já, as infiltrações com corticóides ou com os derivados de ácido hialurônico, a chamada visco suplementação, tem bom nível de evidência, demonstrando a diminuição da sinovite, com poucos riscos de complicações. Esses tratamentos, somente são bem indicados se houver a presença de sinovite, pois existe melhora na crise de dor pela inflamação sinovial, criando um momento ideal para reabilitação, sem no entanto, melhorar efetivamente a cartilagem.

Suplementos nutricionais como condroitina, glucosamina e colágeno hidrolisado, podem ter certa ação na modulação da sinovite, no contexto do viés farmacêutico, mas não se provaram a melhorar, de forma objetiva, a qualidade da cartilagem e exigem a utilização prolongada para obtenção do resultado proposto.

Outros medicamentos como a cloroquina e a diacereína tem papel de modulação inflamatória da sinovite, contudo o uso prolongado precisa ser controlado, pois existem riscos de sobrecarga de alguns órgãos como fígado, estômago, intestinos, rins, tecido produtor dos derivados do sangue e retina. Da mesma forma, alguns chamados fitoterápicos, com mesmo potencial de reações adversas, podem ter ação na modulação inflamatória, com uma evidencia questionável, como exemplo, podemos citar o extrato não saponificável de abacate e o Harpagophytum Procumbens.

Os anti-inflamatórios não hormonais como diclofenaco, nimesulida, cetoprofeno, e celecoxibe podem ser usados para tratar as eventuais crises de exacerbação, mas devem ser evitados por uso prolongado pois levam a uma serie de complicações gastro intestinais, renais e cardiocirculatórias. A ciclobenzaprina, um relaxante muscular, demonstra certo grau de alívio da dor, ainda que pouco significativo, com menos efeitos colaterais para o uso prolongado.

As artroplastias de joelho, as chamadas próteses, demonstram um resultado bastante satisfatório, na melhora da qualidade de vida, de pacientes com a artrose avançada, contudo quando indicadas em pacientes, que não otimizaram ao máximo o tratamento conservador, tendem a um baixo índice de satisfação. Assim sendo os riscos, benefícios e limitações do método devem ser bem esclarecidos.

Outros métodos, ainda em fase experimental, com a proposta ousada de regeneração articular, como as culturas de células progenitoras mesenquimais, as chamadas células tronco, ainda não tem aplicabilidade prática e segura em humanos, mas aparecem com grande potencial para terapias futuras.

As terapias de modulação hormonal, quando executadas de forma séria e segura, melhoram, sem dúvidas, a qualidade de vida e diminuem as crises de dor, supostamente graças ao aumento de massa muscular e até por uma eventual ação hormonal no osso e na cartilagem.

Ainda dentro dessa linha de tratamento adjuvante, contando com novos conhecimentos, embora ainda com menor quantidade de ensaios clínicos consistentes, podemos citar a modulação nutrigênica, que é uma linha de tratamento, baseada na otimização da ingestão de micro-nutrientes, para ativar ou diminuir a expressão de genes relacionados ao desenvolvimento de artrose. Nessa linha de pesquisa é possível que no futuro possamos manipular nosso material genético, melhorando os genes que configuram a longevidade articular.

Como conclusão, para a melhor escolha das opções de tratamento, é fundamental que se construa um vínculo de diálogo e confiança na relação médico e paciente, sendo este o princípio mais eficaz para uma melhora sustentável, pois esta envolve necessariamente auto-conhecimento, conscientização e mudanças sólidas de hábitos, principalmente no fortalecimento e reequilíbrio muscular. Neste contexto, o médico ortopedista tem um papel muito importante como mediador da informação, oferecendo opções menos agressivas para o tratamento das crises de dor.

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Alessandro Monterosso Felix: Sou médico ortopedista, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Joelho, do Comitê de Reconstrução Óssea e especialista em doenças artro-degenerativas. Acredito nos princípios da medicina personalizada, de valores humanizados e individualização terapêutica, voltados para uma longevidade saudável e entendo que a “slow medicine” é a verdadeira medicina de resultados.

 

Referências Bibliográficas Artrose de Joelho

(a foto que ilustra a matéria é do site Pixabay)

5 Comentários

  1. Gostei da matéria! Objetiva e realística! Gostaria de ler sobre um tratamento que, efetivamente , refazeria a cartilagem perdida porém, … cair na real é: fortalecer musculatura que poupe joelhos, controle de peso e cuidados com a inflamação sazonal é o que temos. Gratidão pelos esclarecimentos

  2. Dr. Alessandro Felix parabéns por seu artigo objetivo, escrito de forma bastante didática e clara tanto para os não especialistas como aos pacientes, sem contar, o importante destaque a esse princípio tão caro da boa medicina e do movimento Slow Medicine : o foco na relação médico-paciente respeitosa, sólida e individualizada. Já compartilhei o artigo!

    • Oi Ana, agradeço a gentileza das palavras! Concordo plenamente com suas colocações: Vivemos em um contexto de automação do atendimento, com protocolos e “guidelines” cada vez mais cartesianos, deixando de lado aspectos essenciais, que só serão levados em consideração com o aperfeiçoamento das relações humanas. Muito em breve, computadores serão capazes de diagnosticar, operar e prescrever melhor que o médico mais experiente, mas o dia em que as máquinas passarão a entender e acolher nossas necessidades verdadeiras ainda está longe.

  3. Parabéns Dr. Alessandro Felix pelas explicações claras e fundamentadas acerca da dor em artrose de joelho, doença muito prevalente e que gera dúvidas para pacientes e profissionais não-especialistas. A medicina sem pressa mostra uma excelente análise do cenário doloroso no país.

    • Sim, sem dúvidas Bernardo, precisamos nos preocupar muito com esses processos, altamente prevalentes na senescência. Em 2010, segundo o IBGE, as pessoas com mais de 60 anos correspondiam a cerca de 10% da população brasileira, já em 2050 existe uma previsão de que esse grupo ultrapasse 30% da nossa população. Assim, é importante, desde nossa formação inicial, nos prepararmos para esse contexto, na busca de prover aos nossos pacientes um envelhecimento com mais qualidade de vida.

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