COVID 19 e a Telemedicina: Lições e Aproximações

abril 8, 2020
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Por Lívia Callegari:

“Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para
Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida tão rara”

(Lenine)

Vivemos um período ímpar na história da humanidade. Um verdadeiro divisor de águas que trará marcas indeléveis para cada um de nós.

Ao longo do tempo, sedimentou-se uma sociedade com perfil acelerado e pautada por  relacionamentos líquidos.  Agora somos obrigados a parar, respirar pausadamente, olhar  para dentro e para o lado, pois a nossa saúde e a dos nossos entes queridos sofre risco iminente, em virtude do potencial de propagação do Covid-19.  Por esse motivo, devemos ressignificar tudo o que está ao nosso redor, nos valer da solidariedade, e nos unir no bom senso. Eu apenas sou eu porque me vejo em você.

É bem verdade que, nesse momento não temos resposta para nada, apesar de todos os esforços dos abnegados profissionais da saúde e dos pesquisadores. Por outro lado, sofremos com a avalanche de informações que circulam das mais variadas formas, e não trazem nada de agregador para saúde física ou mental,  o que nos força a exercer individualmente imenso critério para discernir a quimera da realidade, e buscar nos respaldar em fontes confiáveis de quem produz algo que reflita conhecimento técnico adequado e não achismos dos denominados  “especialistas de internet”.  Em virtude disso, cinge-se a reflexão de que a mesma tecnologia que pode ser benéfica, também pode trazer um grande mal, caso utilizada de forma inadequada.

Por esse motivo é propragado como décimo principio da Slow Medicine o “uso parcimonioso da tecnologia”. Isso porque a tecnologia em Saúde deve servir ao homem de modo que cumpra com o objetivo de auxiliar no autocuidado, como também auxiliar o médico a tomar as melhores decisões que busquem, primordialmente, melhorar a qualidade de vida do paciente. Isso acaba por confluir com o preconizado resgate do cuidado de uma Medicina Ancestral, com a utilização das ferramentas tenológicas atuais.

Na atual conjuntura, diante pandemia causada pelo COVID-19, que resultou na oportuna e necessária imposição de medidas sanitárias de relativa restrição ao convívio social, com base no princípio bioético da beneficência, os corriqueiros direcionamentos até então adotados  são revistos para solucionar a atuais situações emergentes.

Uma delas é a adoção de meios tecnológicos que propiciem a aproximação entre o paciente e o médico. Por isso que, para essa circunstância peculiar, tem-se na Telemedicina provisória solução para prática da Medicina. É modalidade de exercício da Medicina à distância cujas intervenções, diagnósticos, decisões de tratamentos e recomendações estão baseadas em dados, documentos e outras informações, transmitidos através de sistemas de telecomunicação. Objetiva auxiliar no intercâmbio de dados entre médicos, e também entre médicos e pacientes.

Nessa interação entre o médico e o paciente, podem ser transmitidas informações médicas eletronicamente, como resultados exames médicos complementares (laboratoriais, de imagem, dentre outros), o que permite, para esse momento, a vigilância do estado clínico de um paciente com enfermidades crônicas, deficiências físicas ou condições que requeiram atenção especial, sem que afete adversamente a relação individual médico/paciente, preservando-se o respeito mútuo, independência de opinião do médico, autonomia do paciente, decisões compartilhadas, privacidade e confidencialidade.

Intervenções de saúde digital não são suficientes por si só. Pode ser considerada uma estratégia da OMS que pode  resultar em um complemento importante para as interações presenciais, mas que nunca pode substituí-las completamente. Além disso, dependem do contexto que é utilizado, e por isso deve ter um desenho adequado.

Portanto, a Telemedicina, se utilizada de maneira parcimoniosa, enseja apropriada oportunidade de contato, ainda mais em situações excepcionais, como na atual pandemia que, por questões sanitárias, foi determinado o distanciamento social para conter a propagação do vírus.

Por esse motivo, enquanto durar o período de combate ao contágio da COVID-19 em primeiro momento, foi permitida a possibilidade de utilização transitória de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência em Saúde, coforme direcionamento do Mistério da Saúde e CFM dado pelo ofício CFM Nº 1756/2020 – COJUR, baseada na Resolução CFM nº 1.643, de 26 de agosto de 2002, , nas seguintes modalidades:

Teleorientação: para que profissionais da medicina realizem à distância a orientação e o encaminhamento de pacientes em isolamento. Nesse sentido, é de se pontuar que o paciente apenas pode se beneficiar desse tipo de atendimento se já tiver estabelecido uma relação com o médico. Por isso, se difere da teleconsulta, propriamente dita, que é um ato mais complexo e não autorizado para o momento.

Telemonitoramento: ato realizado sob orientação e supervisão médica para monitoramento ou vigência à distância de parâmetros de saúde e/ou doença.

Teleinterconsulta: exclusivamente para troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico.

Em continuidade da regulamentação do art. 3º da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 e, em consonância com os preceitos éticos de beneficência, não-maleficência, sigilo das informações e autonomia, publicou-se a Portaria MS nº 467/2020. No entanto, diferente do direcionamento sugerido pelo ofício CFM Nº 1756/2020, extrapola a referida portaria estendendo as ações de Telemedicina por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do SUS, bem como na saúde suplementar e privada, para também contemplar o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, além do monitoramento e diagnóstico, o que pode causar alguma celeuma à moderação estabelecida preteritamente. Fato é que, paralelo a essa possível discussão, foi publicada a Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020 que autoriza o uso da telemedicina, enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus (2019-nCoV), o que poderia enfraquecer qualquer debate jurídico acerca do tema.

Independente da situação, e se haverá algum questionamento sobre os pontos que a Portaria exorbita, que aqui apenas se coloca em critério argumentativo, em nada deve destoar o comportamento do profissional estar alinhado com o estrito cumprimento das normas deontológicas que, aliás, já tiveram alinhamento por parte de alguns Conselhos Regionais de Medicina se pronunciaram sobre a aplicabilidade da Telemedicina.

Assim, quando da primeira abordagem com o paciente deve haver a esclarecimento que o emprego do atendimento telepresencial é uma via de orientação transitória, e não substitui o atendimento presencial. Caso seja verificada dificuldade de contato, seja por ambiente inapropriado, dificuldade de manejo do meio eleito ou mesmo do entendimento que pode se concretizar em informações desconexas a colocar em risco a segurança da saúde do paciente, por critério do médico, pode ser interrompido o atendimento privilegiando-se, na primeira oportunidade,  a continuidade na modalidade presencial. Obviamente, após o esclarecimento, deve haver a concordância do paciente no seguimento dessa modalidade. O contato deve ser documentado e detalhado em prontuário clínico, e os métodos eletrônicos de arquivamento e transmissão da informação do paciente devem estar resguardados por medidas eficientes para proteger a confidencialidade, privacidade, garantia do sigilo profissional e segurança da informação registrada ou intercambiada, além de seguir alguns pormenores didaticamente expostos na Portaria MS n° 467/2020. Por fim, é fundamental frisar que é de responsabilidade do médico/Clínica a guarda, o manuseio e o tratamento de dados e a sua transmissão.

Em que pesem as ponderações acima, notadamente relativo ao manejo do contato e captação dos dados clínicos do paciente, e os benefícios  que a tecnologia da informação pode proporcionar em momentos tão peculiares, inclusive o da virtual aproximação, ainda prevalecerá a tecnologia mais importante: o toque presencial e compassivo, o exame clínico, o olhar humanizado e a escuta ativa.

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Lívia Abigail Callegari, nascida  em São Paulo. Advogada inscrita no Brasil e em Portugal, atua na área do Direito Médico. Especialista em Bioética pela Faculdade de Medicina da USP e em Direito da Medicina pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Atualmente é pesquisadora científica no Grupo de Pesquisa em Bioética, Direito e Medicina GBDM/USP. Ama estudar e transmitir o que aprende. Gosta de viajar e tomar contato com outras culturas. É apaixonada por artes em geral e livros, mas encontra na arte marcial e na dança o seu verdadeiro meio para a reconexão. Só faltou falar que ama felinos….

Observação: A foto que ilustra o post é uma cena do filme Matrix.

1 comentário

  1. Belo texto, Lívia. Trouxe reflexão a essa questão complexa. Minha avó resumiria assim: “Podem brincar, mas não exagerem!”. Parabéns!

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