Entre a Alienação e o Desespero: Slow Medicine

abril 5, 2020
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Por Regis Vieira:

  1. Qual é o papel do movimento Slow Medicine em meio a uma pandemia pelo covid-19?

Em tempos de coronavírus nós fomos obrigados ao isolamento, ao silêncio das ruas que contrasta com o brilho ininterrupto das telas dos celulares e televisores. Notícias de possíveis “curas” que chegam a todo momento, a avalanche de fake news e o excesso de informações trazem uma ansiedade extrema à quarentena que, per si, já é estressante.

A Slow Medicine tem a responsabilidade de trazer as melhores evidências, estimulando o uso parcimonioso das tecnologias para facilitar as tomadas de decisão e a reflexão, tanto por parte dos profissionais da saúde quanto da população leiga. O primeiro ponto que nos parece crucial é o excesso de informação.

Sobre as fake News, é preciso tomar alguns cuidados: você checou a veracidade do conteúdo, a base da informação dos áudios e vídeos que você recebeu ou compartilhou? Você pesquisou no site do Ministério da Saúde ou a Organização Mundial da Saúde para confirmar as informações? Se você respondeu não a qualquer um desses questionamentos, saiba que você pode estar fazendo mal a si mesmo e, principalmente, aos outros.

  1. Com relação ao tratamento da COVID-19, o que temos de concreto afinal?

Nós ainda não temos evidências sólidas, até o presente momento, de que qualquer tratamento medicamentoso seja realmente efetivo no enfrentamento ao coronavírus. Essa é a realidade. O rigor científico deve ser respeitado. Algumas publicações internacionais têm sugerido que a cloroquina possui um potencial efeito antiviral no coronavírus humano. Sendo assim, no dia 27 de março o Ministério da Saúde publicou uma Nota Informativa disponibilizando, a critério médico, o medicamento cloroquina como terapia adjuvante no tratamento de formas graves e em pacientes hospitalizados. A associação com azitromicina ou outro antimicrobiano ficará a critério da equipe médica dos hospitais.  Importante ressaltar que a cloroquina esteve em falta em muitas farmácias pela busca insensata das pessoas na tentativa de se prevenir. Esse foi um dos males causados pela disseminação prematura e irresponsável de dados supostamente científicos: pacientes portadores de Lúpus ou Artrite Reumatoide ficaram sem a medicação. É a cascata de medo e irracionalidade, causada pelo excesso de informações, vídeos repassados, áudios alarmistas… com resultados prejudiciais a muitas pessoas, e possivelmente sem qualquer benefício para outras.

  1. Mas ficar alienado em relação à pandemia também não é perigoso?

Veja que há um limite entre alienação e desespero. Vamos às evidências: a principal estratégia no enfrentamento à Pandemia é que todos fiquem em casa. E ponto. Parece simples, está sendo muito falado, mas o distanciamento social é a ação que demonstra maior impacto, sobretudo em você que está ASSINTOMÁTICO. Perdoe-me ser tão incisivo neste ponto, mas você é a peça fundamental para que a doença não se propague.

Acompanhe este raciocínio: o paciente que já está com febre, com tosse, dor de garganta, já provocará o isolamento tanto pela sua consciência quanto pelo medo de contágio das pessoas ao seu redor. O contrário ocorre àquela pessoa que não sente nada. Essa pessoa, sem nenhum sintoma, ainda apresenta uma certa descrença no real “poder” de contágio do vírus e seu impacto. Isso é normal, chama-se viés de disponibilidade,  que consiste num fenômeno observado na prática: quem vivenciou alguma  situação traumática  acha que vai ela acontecer novamente, mas quem não passou por isso acha que ela nunca vai acontecer. Imagine, você, que muitos acreditam que a doença nem exista! Não se trata de maldade, e sim de padrões da natureza humana. Por isso siga as orientações formais e fique em casa. Você é a sustentação do sistema de saúde  e, neste momento, fundamental para que ele tenha capacidade para atender os casos graves.

  1. E quanto às medidas de identificação de pessoas infectadas que vêm sendo implementadas no Brasil? É necessário mesmo aumentar o número de testes?

A Organização Mundial de Saúde recomendou aos países: testem, testem, testem… a Slow Medicine entende que não há como combater uma ameaça sobre a qual ainda temos tão pouca informação. Não temos uma ideia clara do seu tamanho, sua magnitude e suas possíveis consequências. Acreditamos que estamos, em parte, vendados ao testarmos apenas os pacientes graves. Estamos a olhar a ponta do iceberg.

O ideal seria testarmos a todos, inclusive os assintomáticos, porém, isso seria extremo. Somos um país continental e com recursos escassos e finitos! Então, qual o caminho do meio? Fazermos um esforço de guerra ao vírus e disponibilizar testes a todos os sintomáticos. Conheceríamos o inimigo de forma um pouco mais palpável.

  1. Mas, resumindo, o que devemos fazer para ajudar na superação desse momento crítico?

Voltando às evidências científicas, até o momento, o Ministério da Saúde recomenda: lave as mãos com água e sabão frequentemente e fique em casa; procure o serviço de Atenção Primária à Saúde – posto de saúde ou clínica da família – se apresentar sintomas, tais como febre maior que 37.8ºC que não passa com antitérmico, tosse persistente e / ou falta de ar súbita. Em caso de comorbidades prévias (Diabetes, Hipertensão, Asma, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica Doenças Cardíacas) associadas aos sintomas descritos, sobretudo falta de ar, procure o Hospital e solicite a todos os seus contatos assintomáticos que fiquem em casa.

Aproveite seu tempo em casa. Entre o desespero e a alienação, procure informação confiável, como as fornecidas pelo site da OMS e do Ministério da Saúde sobre o COVID. Conheça também o nosso conteúdo: navegue no nosso site, conheça as recomendações de filmes, as resenhas de livros e os textos de especialistas.

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Regis Vieira, mineiro de Aiuruoca, é médico de família e defensor aguerrido da atenção primária em saúde. É colaborador do Movimento Slow Medicine Brasil.

Este texto contou com a colaboração, sugestões e revisão de nossas colaboradoras Jaqueline Doring Rodrigues, Ana Lucia Coradazzi e Suzana Vieira.

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