Nutrição e Saúde: uma alimentação Slow?

agosto 8, 2017
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Por Andrea Bottoni:

“Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio”

Hipócrates.

Neste matéria teceremos considerações sobre o artigo Alimentazione e salute dos Drs. Antonio Bonaldi (Presidente da Associação Italiana de Slow Medicine) e Andrea Pezzana (Responsável pela Área Alimentação e Saúde da Slow Food Itália), publicado no Journal da Associazone Medici Diabetologi, resumindo e destacando aspectos relevantes abordados pelos autores neste tópico importantíssimo que é a alimentação, um dos pontos cruciais de qualquer estratégia de prevenção, seja primária, secundária ou terciária.

Optamos por resumir o artigo, na medida em que a maior parte dos leitores brasileiros tem pouca familiaridade com o idioma italiano, o que limita o alcance do artigo, de grande simplicidade em suas proposições, mas de muita sabedoria.

O artigo é bastante interessante, pois faz uma revisão e uma reflexão sobre alimentação e saúde.

Considerando que alimentação e saúde são desde sempre um binômio incindível e que  muitas pessoas modificam a própria alimentação para que ela seja a mais saudável possível, buscando ou recebendo informações nem sempre suficientemente controladas, e considerando que este é um assunto de suma importância, Slow Medicine, em colaboração com Slow Food, considerou útil propor algumas reflexões, baseada nos conhecimentos disponíveis, no respeito ao ambiente e à pessoa, bem como no prazer de comer.

✻ Riscos de considerar linear aquilo que é complexo:

Alimentos e doenças estão ligadas à um conjunto de relações que frequentemente não são inteiramente conhecidas e compreendidas, por isso a tentativa de isolar um componente, atribuindo poderes maléficos ou benéficos, é uma opção muito arriscada e frequentemente errada.

✻ Dietas para todos os gostos:

A alimentação é um dos campos mais prolíficos de pesquisa, mas também é um dos mais difíceis de avaliar. Além disso, existe a influência da “moda” e das constantes propostas de pessoas famosas e formadoras de opinião, publicadas à exaustão na mídia e nas redes sociais.

✻ Gordura saturada:

O efeito protetor da diminuição da ingestão de gordura saturada sobre as doenças cardiovasculares se manifesta apenas se as gorduras saturadas são substituídas por gorduras poliinsaturadas, o que não acontece quando são substituídas por carboidratos ou proteínas.

Os dados hoje disponíveis sugerem que as gorduras e o colesterol são constituintes essenciais da dieta e que seu papel como principal causador do infarto agudo do miocárdio e das doenças cardiovasculares foi supervalorizado. A perspectiva de reduzir tais riscos concentrando-se em fatores dietéticos individuais não oferece garantia de sucesso, ao contrário, a substituição por carboidratos, especialmente se refinados, pode ter colaborado para aumentar a obesidade e o diabetes mellitus tipo II.

✻ Açúcares e bebidas açucaradas:

O consumo de açúcar e sobretudo o uso habitual de bebidas açucaradas estão  associados a uma incidência mais elevada de cáries, doenças cardiovasculares, diabetes mellitus tipo II e obesidade.

✻ Carne:

Existe uma relação entre o consumo de carnes processadas, como, por exemplo, salsichas, embutidos, carnes defumadas, carnes enlatadas e a possibilidade de desenvolver um câncer colorretal.

O consumo de carne, especialmente se processada, aumenta o risco de câncer colorretal, por isso, sem a ideia de causar pânico e sem a necessidade drástica de excluir completamente a carne, é útil acompanhar as recomendações da Organização Mundial da Saúde e diminuir o consumo de carnes, orientando preferencialmente o aumento do consumo de vegetais.

✻ Microbiota:

Os micróbios estão em qualquer lugar e a grande maioria deles exerce funções essenciais para a vida; é só pensarmos na fermentação do pão, do vinho e do queijo. Resumindo, sem os micróbios não existiria vida no planeta.

O corpo humano é literalmente coberto de micróbios e o nosso intestino tem milhares de bilhões, um número maior de células do que aquelas que constituem o cérebro.

No intestino exercem um papel fundamental, além da digestão e absorção de vários nutrientes, e do funcionamento do sistema imunitário.

A mudança de hábitos alimentares (consumo de alimentos industrializados e refinados) provocou uma progressiva redução das espécies de bactérias presentes no intestino e esta redução pode ser em parte responsável pelo aumento de patologias crônicas como doenças intestinais, diabetes, obesidade, câncer (colorretal, mama), asma, dermatite atópica e depressão.

Parece que alguns componentes dos alimentos (prebióticos), como, por exemplo, as fibras indigeríveis presentes no alho, na cebola, no farelo de trigo, nos brócolis, na fruta seca, nos legumes, etc., bem como os microrganismos presentes no iogurte, nos leites fermentados e no queijo (probióticos), favorecem o desenvolvimento da flora intestinal e da diversidade das espécies, favorecendo o nosso bem estar.

✻ Vitaminas e integradores:

As nossas ideias sobre vitaminas e sais minerais são derivadas sobretudo pelas imagens de marinheiros vitimados pelo escorbuto (deficiência de vitamina C), das crianças portadoras de deformidades pelo raquitismo (deficiência de vitamina D) e das pessoas acometidas pelo cretinismo endêmico (deficiência de iodo). Nestes casos tratava-se de situações de desnutrição crônica e grave.

As vitaminas e os sais minerais, normalmente presentes em uma alimentação variada, satisfazem amplamente todas as nossas necessidades.

Os suplementos dietéticos não são produtos seguros como se costuma crer. Nos EUA, por ano, por causa de eventos adversos (palpitações, taquicardia, dor de cabeça, dores abdominais, náusea e vômito), associados a este consumo, são registrados 23.000 atendimentos em pronto socorro e 2.000 internações.

✻ Alergias e intolerâncias alimentares:

Alergias e intolerâncias alimentares acometem 4% da população adulta, mas a percepção global de “alergia alimentar” na população geral é bem mais alta (cerca de 20%), muito provavelmente porque super-diagnosticada.

✻ Redescobrindo as tradições e os sabores dos nossos alimentos:

Comida e alimentação são um dos mais importantes setores industriais, e sem dúvida lucros e interesses econômicos influenciam o mercado e o que chega às nossas mesas, graças a campanhas publicitárias criativas para direcionar o consumo para produtos industrializados potencialmente danosos para a saúde.

Dez multinacionais, através de 500 marcas, controlam mais de 70% do mercado mundial dos alimentos, com um faturamento estimado de mais de 450 bilhões de dólares.

O Movimento Slow Food, presente em mais de 100 países, tenta dar novamente o valor adequado aos alimentos, incentivando os pequenos produtores que trabalham preocupados com o meio ambiente, preservando a biodiversidade e promovendo escolhas conscientes, que levem em consideração os sabores, a sazonalidade, a segurança e o frescor dos alimentos, produzidos e sempre que possível consumidos em lugares próximos, reduzindo o seu transporte e necessidade de conservação.

Para orientar as nossas decisões em um mundo de mensagens frequentemente  contraditórias e pouco claras, mas com consequências potencialmente danosas sobre a nossa saúde, os autores listam algumas sugestões praticas baseadas nas evidências científicas, bem como no bom senso e na praticidade.

  1. Não existe uma dieta que seja universal, mas a dieta mediterrânea é provavelmente uma das mais equilibradas para as pessoas e para o ambiente.
  2. Comer um pouco de tudo, em quantidade moderada, priorizando os alimentos de origem vegetal.
  3. Limitar o consumo de carnes vermelhas, especialmente se processadas.
  4. Como fonte de proteínas preferir o peixe (especialmente aqueles de tamanho pequeno), as leguminosas consumidas com os cereais (melhor se integrais) e as frutas secas.
  5. O azeite de oliva é a gordura mais saudável, a ser usado preferencialmente cru ou em cozimento com temperaturas não muito elevadas. As gorduras saturadas hoje são revalorizadas se provenientes de alimentos com elevado perfil qualitativo (queijos tradicionais ricos em microrganismos e iogurte).
  6. Comer muitos vegetais (no mínimo três porções por dia), melhor se da estação e, se possível, cultivados localmente. As frutas também são uma ótima fonte de substâncias protetoras e fibras, mas por seu conteúdo de carboidratos é melhor não exagerar.
  7. Limitar o consumo de alimentos industrializados pois frequentemente contém ácidos graxos trans, açúcares refinados, sal e conservantes.
  8. Carboidratos simples e bebidas açucaradas devem ser consumidas na menor quantidade possível.
  9. Reduzir o consumo de sal.
  10. Usar álcool com moderação – mas um cálice de vinho nas refeições parece ser benéfico.
  11. Beber bastante água.
  12. Cuidar da microbiota intestinal, não usando antibióticos desnecessariamente.
  13. Não fazer uso de suplementos de vitaminas, minerais e integradores a não ser em casos (muito raros) de documentada carência.
  14. Valorizar o sabor dos alimentos tradicionais.
  15. Não cair no discurso em voga de pretensas alergias.
  16. Procure não engordar e aproveite a vida!

Concluo com duas considerações:

Dieta é um vocábulo de origem grega, que significa estilo de vida. A antiga palavra diaita tinha alcançado perfeitamente o objetivo de descrever um adequado estilo de vida, entendido como encontrar uma perfeita ordem harmônica entre o justo e agradável nutrimento e o dispêndio energético, sob forma de atividade física e vida altamente dinâmica. A palavra dieta hoje remete à privação, renúncia. Na verdade, em sua origem, este termo expressava a ligação entre o homem e o seu território.

Os hábitos alimentares são obviamente importantes. Mas vale a pena destacar que os hábitos alimentares estão inseridos nos hábitos de vida, onde, por exemplo, exerce um papel fundamental a prática de exercícios físicos.

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Andrea Bottoni é italiano, de Roma. Médico pela Universidade de Roma “La Sapienza”, com Residência Médica em Nutrologia na mesma Instituição e especialização em Medicina Desportiva na UNIFESP. Tem Título de Especialista em Nutrologia e em Medicina do Esporte, é Mestre em Nutrição e Doutor em Ciências pela UNIFESP, com MBA Executivo em Gestão de Saúde pelo Insper e MBA em Gestão Universitária pelo Centro Universitário São Camilo. Vive no Brasil, em São Paulo, há quase 22 anos, felizmente casado com Adriana, também médica. Andrea acredita filosoficamente, culturalmente e cientificamente na Slow Medicine e no Slow Food. Acredita também na importância de um modo de vida slow …. Slow Life!

1 comentário

  1. Sou filha de italiana e minha mãe como boa mamma italiana em dez minutos fazia um banquete com as sobras das refeições anteriores. Não se jogava comida fora, não havia desperdício. A máxima de Hipócrates citada no início da matéria era lei reinante em minha casa e somada a ela a mamma completava, você é o que você come também. O valor de cada alimento era consumido concomitantemente ao seu prazer, assim as verduras eram cozidas no vapor para não perderem seus nutrientes. Minha mãe ficava alarmada com a cultura brasileira que cozinhava os legumes com tanta água e depois as escorria que ela comentava que os ralos dos brasileiros eram mais sadios que seus organismos. A alimentação é antes de tudo educação, com seus valores. A mesa era lugar de reunião, de conversa, de encontro. Os aromas vindos da cozinha ficaram gravados em nossas memórias, reminiscências de lembranças que se perpetuam em todas as fases de minha vida e que tento passar, como herança, para minhas filhas e meu neto. Saber alimentar-se de forma saudável é uma arte que se aprende e não modismos que tentam suprir apelos outros, inclusive os de ganho econômico.

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