O ano em que a Pandemia acabou

dezembro 19, 2023
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Por José Carlos Campos Velho:

“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente…”

Mario Quintana 

Talvez este tenha sido o fato mais relevante deste ano. No dia 5 de maio de 2023 a OMS declarou “O fim da emergência de saúde pública de importância internacional referente à COVID 19”. Se olharmos para trás, perceberemos que faz bem pouco tempo. Meses. A humanidade tem a memória curta. Quantos (de nós) afirmaram que esta Pandemia iria mudar a forma como as pessoas veem o mundo, o quanto as interações entre elas iriam se modificar, como sairíamos mais fortes, mais ponderados, mais equilibrados daquele fenômeno que adoeceu milhões de pessoas e ceifou a vida de outros milhões. Das transformações que ocorreram em nossas vidas – máscaras, distanciamento, cuidados quase obsessivos com a higiene das mãos, dos alimentos, as ruas vazias, cinemas, restaurantes, consultórios fechados. O medo. No começo as pessoas morriam que nem moscas, depois, gradualmente, as ciências da saúde foram aprendendo a lidar com a terrível enfermidade: como evitar a contaminação, que atitudes terapêuticas poderiam reduzir a mortalidade – tudo isso num momento em que, no Brasil, éramos permanentemente bombardeados por estatísticas e eventos trágicos – a necessidade de ampliar cemitérios, cidades inteiras padecendo da falta de oxigênio,  “a morte – literalmente – ao seu lado”. Tivemos que conviver com a Infodemia o furacão de desinformações que assolou o mundo inteiro e trouxe a irracionalidade para o centro do palco, com milhões de pessoas dando sua opinião sobre o que praticamente desconheciam, políticos que vociferavam verdadeiras blasfêmias, proposições insensatas e palavras enganosas para o enfrentamento de algo para o qual somente a ciência – e o bom senso, poderiam dar uma resposta. A vacina contra a COVID-19, desenvolvida em tempo recorde, mudou todo o cenário: a esperança voltou, as nuvens se dissiparam e as pessoas saíram aliviadas de suas tocas.

Mas, como na grande pandemia pelo vírus da Influenzae, no século XX, rapidamente o clima mudou, e a velha humanidade voltou a ser o que sempre foi: guerras insanas, cobiça, tragédias ambientais – e na área da saúde o ciclo recomeçou: desperdício, desigualdade, hesitação vacinal, ganância, falta de tempo e humanidade. O olhar da Slow Medicine permanece mais necessário do que nunca: vivemos um momento de transformação, em que a sustentabilidade de nossas ações deve ser pensada a cada passo que damos, em que a valorização do contato humano – nesses tempos de  Inteligência Artificial – torna-se uma premissa fundamental. A verdade é que ainda não sabemos ao que a IA vai servir: alguns são extremamente otimistas, outros colocam não um, mas 2 pés atrás. Na Medicina pode significar um ganho extraordinário – ou a completa desumanização do contato clínico, atrás de imagens e algoritmos.

Durante a Pandemia, após várias reflexões em grupo – a tecnologia trouxe para nosso dia-a-dia as reuniões virtuais, um  enorme ganho que ampliou em níveis até então desconhecidos as possibilidades de comunicação – nós, enquanto colaboradores do Movimento Slow Medicine, optamos por trazer à discussão, que se mostrava tão anárquica, opiniões ponderadas, idôneas, éticas e cautelosas. Um olhar Sóbrio, Respeitoso e Justo para aquele momento tão delicado vivido pela humanidade.

E então nos acostumamos com os Webinares, as Lives, os eventos virtuais. As Redes Sociais passaram a ter um papel extremamente relevante na vida das pessoas: para o bem e para o mal. Conosco não foi diferente: ao longo dos últimos 3 anos o Movimento Slow Medicine esteve presente em inúmeros eventos virtuais, nas redes sociais, sempre procurando ser uma boa fonte de informações dentro de um universo precarizado por uma necessidade urgente e narcísica de exposição.

Aos poucos, os eventos presenciais foram voltando, a fantasia do trabalho domiciliar – o “home-office”- foi se mostrando questionável, as pessoas começaram a se encontrar – parece que o pesadelo passou (mas sejamos realistas: o Novo Coronavírus é capcioso e traiçoeiro – ele está entre nós, não tão virulento, possivelmente pela vacinação – mas é um vírus mutante como poucos).

O Movimento Slow Medicine continua firme e robusto, na defesa de seus princípios e seus preceitos. Na busca de uma prática médica solidária e humanizada. Martelando por uma atenção à saúde Sóbria Respeitosa e Justa. Procurando manter isenção em relação à mercantilização e espetacularização da Medicina, magnificada pelas redes sociais. Trilhando seu caminho com humildade e poucas certezas. Uma delas é que o caminho que resolvemos trilhar é Sóbrio. É também um caminho Respeitoso. E mais do que tudo, um caminho Justo. 

Ao longo de 2023, os colaboradores do Movimento Slow Medicine tiveram participação em inúmeros eventos, presenciais e online, publicaram artigos, lançaram livros, estreitaram sempre que possível suas relações com os estudantes, através das Ligas de Slow Medicine, estiveram presentes na imprensa e na mídia, em vários lugares do país.

Para facilitar a compreensão para nossos leitores e seguidores, vamos ilustrar nossos eventos com registros fotográficos e um link onde você poderá acessar as atividades que participamos ao longo do ano.

E 2024? No próximo ano vamos completar 8 anos de atividades no Brasil. Estamos muito gratos pelas conquistas e pelo papel que, acreditamos, atualmente desempenhamos no cenário da saúde: um Movimento que procura trazer a reflexão e o bom senso para a prática clínica. Sempre tendo como horizonte teórico a Medicina Baseada em Evidências, mantemos um saudável posicionamento crítico em relação à posturas rígidas e sectárias, descoladas do mundo real. Sim, temos algumas pretensões para o ano que se inicia. Fique atento: com a Graça de Deus, elas vão aparecer.

Desejamos a todos um Bom Natal e uma boa entrada de ano. Estamos juntos.

José Carlos Campos Velho é médico. Editor do site Slow Medicine Brasil.

2 Comentários

  1. Reconheço o relevante serviço de informação prestado pela publicação, nesses anos, e parabenizo pela iniciativa.

  2. Gostei muito da reflexão acima. Bastante oportuna. As pessoas esqueceram de ter uma atitude de gratidão, por terem sobrevivido à essa Pandemia, com todos os percalços apontados no texto.

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